Cotidiano

Pesquisa muda forma de entender mecanismo dos buracos negros

Em estudo publicado na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, o pesquisador Daniel May propõe uma nova forma de entender o mecanismo de expulsão de matéria dos buracos negros, que são regiões do espaço com uma força gravitacional forte o suficiente arrastar qualquer coisa, até mesmo a luz.

“Alguns desses buracos negros estão capturando gás que chega na galáxia. Como tudo gira no universo, esse gás não cai em linha reta no buraco negro. Ele faz um disco e, pela gravidade do centro ser extremamente poderosa, o disco acaba se aquecendo muito e a gente pega as galáxias ativas justamente pelo brilho desse disco. O brilho que a gente vê é de um disco que está ao redor dele caindo aos poucos lá dentro”, explica o pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), que trabalha a partir de uma bolsa oferecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Essas emissões de energia acabam gerando também uma expulsão da matéria que está no entorno do buraco negro, um fenômeno chamado de outflow. 

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Esquema proposto para a galáxia NGC 4151. O tal “disco de acreção” é mostrado no centro e fora de escala, em roxo – Divulgação/Daniel May

Nesse movimento, é visto um gás mais quente e brilhante, atingido diretamente pela radiação emitida pelo buraco negro e outra mais fria, que permite a formação de moléculas.

Como uma bolha

Segundo May, costumava se pensar que a parte mais fria era o gás que estava sendo atraído pela força da gravidade do buraco negro. Porém, a partir da observação de duas galáxias relativamente próximas – a NGC 1068 e a NGC 4151 – o pesquisador diz que tudo faz parte de uma espécie de bolha de matéria que está sendo ejetada pelo buraco negro.

“Seria uma bolha em expansão. A parte da bolha que enxerga o núcleo [atingida pela radiação] ficaria com uma temperatura maior e uma velocidade maior. E a parte mais fria, que está na sombra, também está expandida, porque faz parte da mesma coisa, só que a gente vê de uma forma diferente, como a fase molecular. Se você tem temperaturas menores, você tem moléculas”, diz.

O novo entendimento facilita, de acordo com o pesquisador, o entendimento do fenômeno. “A parte nova desse estudo é colocar todos os ingredientes em uma coisa só. O que faz um cenário muito mais completo que explica naturalmente coisas que a gente não sabia”, enfatiza May, em referência, por exemplo, à origem da parte mais fria, que não conseguia ser localizada na explicação anterior do fenômeno.

O estudo dos buracos negros também se aproxima de respostas sobre a formação das galáxias, uma vez que, segundo o cientista, são elementos ligados. “As duas coisas se conectam ao longo da evolução. Dizendo como essa galáxia evoluiu como um todo. No passado tinha muito gás, essa cadeia de gás no centro era muito mais voraz, expulsava matéria para fora da galáxia”, afirma.

é a comparação; em escala já; de NGC 4151 com NGC 1068; mostrando a emissão real do gás molecular (H2; em cinza) e de [Fe II] (Ferro uma vez ionizado; em azul e vermelho).” title=”Divulgação/Daniel May” class=”flex-fill img-cover”>
é a comparação; em escala já; de NGC 4151 com NGC 1068; mostrando a emissão real do gás molecular (H2; em cinza) e de [Fe II] (Ferro uma vez ionizado; em azul e vermelho).” title=”Divulgação/Daniel May” class=”flex-fill img-cover”>

Emissão real do gás molecular (H2; em cinza) e de ferro (Fe II – uma vez ionizado; em azul e vermelho – Divulgação/Daniel May

May conta, ainda, que a descoberta foi possível com o uso de uma técnica que busca o aprofundamento e detalhamento de informações disponíveis. “Eles melhoram a qualidade dos dados. Então, se você melhora a qualidade da imagem, você acaba enxergando coisas diferentes do que os outros costumam desenvolver”, explica sobre os procedimentos que investigam a fundo imagens muito difíceis de serem captadas.

“A gente não enxerga exatamente o disco. A gente enxerga um brilho no centro da galáxia. Só que, se a gente for apontar os telescópios mais poderosos para esses núcleos, toda essa região que eu acabei de descrever [do disco brilhante] cai dentro de um pixel [pequeno ponto] da imagem”, conta. 

A pesquisa vai na contramão do que, segundo May, a maioria dos cientistas têm trabalhado, buscando reunir a maior quantidade possível de informações para produzir estatísticas. “Hoje em dia, todo mundo está preocupado em observar muita coisa para fazer estudos estatísticos”, finaliza.