Pesquisa inédita indica como a pandemia de coronavírus se disseminou pelo Brasil

Estudo foi conduzido pela USP em parceria com a Universidade de Oxford

A mobilidade dentro e entre estados foi uma das principais causas da disseminação do coronavírus no Brasil. A informação consta em um estudo inédito do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade de Oxford, ao lado de profissionais de diversas unidades e instituições.

A pesquisa, que acaba de ser publicado na revista Science, ajudou a rastrear e entender a chegada e disseminação da Covid-19 no país. O artigo científico, foi intitulado “Evolution and epidemic spread of SARS-CoV-2 in Brazil” (em tradução livre: “Evolução e disseminação epidêmica da SARS-CoV-2 no Brasil”).

Atualmente, contabilizamos mais de 100 mil óbitos e 3 milhões de casos confirmados. Os pesquisadores buscaram compreender como se deu a disseminação da doença dentro do território nacional.

 

Sequenciamento de 427 novos genomas

De acordo com a análise, a transmissão do coronavírus se deu por meio de três cepas diferentes do SARS-CoV-2, oriundas da Europa. O estudo analisou o sequenciamento de 427 novos genomas dentro de um conjunto de dados geograficamente representativos, coletados entre março e abril. A pesquisa indica que “a transmissão orientada pela comunidade já estava estabelecida no Brasil no início de março, sugerindo que as restrições internacionais de viagens iniciadas após esse período teriam um impacto limitado”.

Entre as três cepas diferentes encontradas no país, o chamado “Clado 1” circulou predominantemente no estado de São Paulo. O “Clado 2” foi difundido em 16 estados do país, enquanto o “Clado 3” se concentrou no Ceará, dentro de um conjunto global com características típicas da Europa. O termo clado significa que as três linhagens tiveram um ancestral comum, o coronavírus original. “A mobilidade afeta a transmissão global e local do SARS-CoV-2 e demonstra como a combinação de dados genômicos e de mobilidade pode complementar as abordagens tradicionais de vigilância adotadas pelos órgãos responsáveis”, explica Nelson Gaburo, gerente geral do DB Molecular, um dos pesquisadores envolvidos na pesquisa.

Mobilidade dentro e entre estados

Após chegar ao Brasil, o vírus passou a circular entre a população, mesmo com a adoção de medidas como o isolamento social, chamadas pelo estudo de intervenções não farmacêuticas (INFs). “Descobrimos que o número estimado de importações internacionais diminuiu concomitantemente com o declínio no número de passageiros internacionais viajando para o Brasil. Por outro lado, apesar da queda no número de passageiros que viajam em voos nacionais, detectamos aumento nos eventos de movimentação de linhagens de vírus entre as regiões brasileiras pelo menos até o início de abril de 2020”, explica a pesquisa.

Os dados obtidos pelo estudo sugerem que as intervenções não farmacêuticas reduziram a disseminação do vírus entre os estados. No entanto, a mobilidade dentro e entre estados continuou acontecendo.

Por exemplo, o comprimento médio da rota percorrida pelos passageiros do transporte aéreo aumentou 25%, mesmo com a redução no volume de voos disponíveis no país. A pesquisa identificou que os voos com distâncias inferiores a 1 mil kms tiveram redução de 8,8 vezes, enquanto as viagens com mais de 2 mil diminuíram apenas 4 vezes.

“Essas descobertas enfatizam os papéis da mobilidade dentro e entre estados como um fator-chave da disseminação local e inter-regional do vírus”, explica Gaburo, destacando que as conurbações urbanas (regiões metropolitanas) altamente povoadas e bem conectadas na região sudeste se tornaram a principal fonte de exportação do vírus dentro do país.

O estudo sugere que, embora as intervenções não farmacêuticas tenham, inicialmente, reduzido a disseminação do coronavírus, a continuidade dos casos indica a necessidade de impedir a transmissão futura, com triagem diagnóstica, rastreamento de contatos, quarentena de novos casos e coordenação social e física do distanciamento em todo o país. “Com o recente relaxamento das INFs no Brasil e em outros lugares, é necessária uma vigilância molecular, imunológica e genômica contínua para decisões baseadas em dados em tempo real”, completa Gaburo.