A mineradora Samarco está impedida de abater das indenizações dos atingidos da tragédia de Mariana (MG) os repasses feitos mensalmente a título de auxílio financeiro emergencial. A desembargadora Daniele Maranhão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), confirmou ontem (19) uma decisão tomada em fevereiro deste ano que proíbe os descontos. O Ministério Público Federal (MPF) divulgou a informação nesta sexta-feira (20).
Dessa forma, foi mantido o entendimento segundo a qual o auxílio financeiro emergencial não tem natureza indenizatória. A magistrada acatou argumentos apresentados pelo MPF e pelos ministérios públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como pelas defensorias públicas da União e dos dois estados.
A tragédia de Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015 após o rompimento de uma barragem da Samarco, deixando 19 mortos e causando destruição de comunidades, devastação do meio ambiente e poluição em dezenas de municípios mineiro e capixabas da Bacia do Rio Doce. Para reparar todos os danos, um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) foi assinado em março de 2016 pela mineradora, por suas acionistas Vale e BHP Billiton, pelo governo federal e pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Conforme o acordo, foi criada a Fundação Renova, a quem cabe, com recursos das mineradoras, gerir todas as medidas necessárias.
Uma das ações previstas no TTAC foi o pagamento mensal de um auxílio financeiro emergencial a todos os atingidos que perderam suas rendas em decorrência da tragédia. O repasse corresponde a um salário mínimo, acrescido de 20% por dependente, somado ao custo de uma cesta básica. Entre os beneficiados pelo auxílio estão milhares de pescadores ao longo da Bacia do Rio Doce, uma vez que a pesca segue restrita mais de quatro anos após a tragédia.
Disputa na Justiça
No final de 2018, a Samarco pediu à Justiça autorização para que estes repasses pudessem ser descontados das indenizações. Em primeira instância, foi concedida liminar favorável à mineradora. Na ocasião, a Justiça equiparou o auxílio financeiro emergencial aos lucros cessantes, que é uma parte da indenização e diz respeito aos lucros que o atingido deixou de ter devido à interrupção de sua atividade produtiva. Assim, foi permitido mudar o cálculo das indenizações dos atingidos, subtraindo delas os valores que são pagos mensalmente.
A decisão de primeira instância gerou revolta em um grupo de pescadores. Eles protestaram em Baixo Guandu (ES) bloqueando uma ferrovia operada pela Vale, acionista da Samarco. Em fevereiro deste ano, a desembargadora Daniele Maranhão atendeu um recurso apresentado por estes pescadores e derrubou a liminar. Ontem (19), ela deu seu parecer final no processo e confirmou sua decisão anterior. Para a magistrada, a alteração no cálculo das indenizações fere cláusulas já homologadas do TTAC, o que não teria amparo no ordenamento jurídico brasileiro.
“A discussão não perpassa pela definição da natureza jurídica das indenizações convencionadas no TTAC a título de Auxílio Financeiro Emergencial e de lucros cessantes, mas pelas obrigações devidamente individualizadas e livremente pactuadas pelas partes e que resultou no acordo homologado pelo Poder Judiciário, bem como na legítima expectativa dos atingidos pela tragédia na construção de soluções consensuais para o caso”, escreveu a desembargadora na sentença.
Para o MPF, a discussão que a Samarco levou à Justiça revela uma postura contraditória e desleal, uma vez que a mineradora buscava alterar questão já apreciada e consolidada no âmbito do Comitê Interfederativo (CIF), estrutura criada conforme o TTAC para estabelecer diretrizes e fiscalizar as ações de reparação. O CIF é composto por diversos órgãos públicos e é liderado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Ao fazer seu pedido, a Samarco alegou que o pagamento cumulado do auxílio financeiro emergencial e dos lucros cessantes seria injusto, porque resultaria em enriquecimento sem causa das pessoas beneficiadas. As instituições que assinam a apelação explicam, no entanto, que as verbas do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) e os lucros cessantes possuem funções diferentes que não se confundem, e ambas as verbas devem ser arcadas pela empresa que causou o dano”, sustenta o MPF. Procurada pela Agência Brasil, a Samarco informou que não comentará a decisão.
Calendário de pagamento
As indenizações por lucros cessantes têm sido pagas no início de cada ano. O atingido recebe valores referentes aos ganhos que ele deixou de obter no ano anterior. A Fundação Renova, responsável pelos repasses, diz que a indenização por lucros cessantes de 2019 será quitada entre os meses de janeiro e março de 2020. A estimativa é de que cerca de R$ 94 milhões sejam pagos para aproximadamente 4,5 mil atingidos.
No começo de 2019, cerca de 3,7 mil pessoas receberam indenização pelos lucros cessantes de 2018. Com a decisão judicial, assim como ocorreu neste ano, nenhum desconto poderá ser feito nos pagamentos previstos para o início de 2020. A Fundação Renova confirmou que não fará abatimentos nos valores a serem pagos e que já está entrando em contato por telefone com os atingidos para agendamento da reunião de apresentação da sua proposta.
“Os valores de cada caso variam de acordo com as situações de impacto na renda e se aplicam a todos os ofícios legais que estejam em situação regular. A proposta indenizatória leva em consideração o acordo celebrado no passado, sendo que, a partir dele, é calculado o valor da indenização pelo dano sofrido ao longo de 2019, que pode variar em relação aos anos anteriores. Sendo assim, as propostas serão personalizadas e os atingidos receberão valores distintos, tributados conforme previsto pela Receita Federal”, diz a entidade.
Caso o atingido não concorde com a proposta apresentada, ele pode recorrer às esferas judiciais.