Júri do Caso Kiss conclui coleta de depoimentos de testemunhas e passa para interrogatório dos réus

Ao todo, foram ouvidas 28 pessoas, entre sobreviventes do incêndio, testemunhas de defesa e de acusação e informantes.

Oito dias após ter iniciado, o júri do Caso Kiss concluiu a fase de depoimentos em plenário que, por si só já torna o julgamento o maior realizado pelo TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ao todo, foram ouvidas 28 pessoas, entre sobreviventes do incêndio, testemunhas de defesa e de acusação e informantes.

A última pessoa a ser ouvida foi o promotor de Justiça Ricardo Lozza, responsável pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que estabelecia as adequações a serem feitas na boate Kiss para resolver o problema de acústica. Ele negou que a colocação da espuma tenha sido permitida pelo documento. Lozza também eximiu o MP, afirmando que a instituição não tinha competência para fechar a boate nem realizar a fiscalização do estabelecimento.

Segundo o promotor, o TAC dizia que deveria ser feita a elaboração e execução de um projeto de isolamento acústico. “Não existe a palavra espuma. Os materiais citados no projeto foram lã de vidro, madeira e gesso acartonado”, afirmou Lozza. “A espuma só serve para conforto acústico. Isolamento se faz com massa. Por isso, não é possível relacionar a espuma com o projeto que vem do TAC”. Feita a reforma na Kiss, o problema do vazamento de som não foi resolvido e seguiam as reclamações da vizinhança. De acordo com Lozza, ele pediu uma nova medição acústica da Patrulha Ambiental, mas isso não chegou a se concretizar porque o incêndio ocorreu antes.

Outras três pessoas foram ouvidas nesta quarta-feira

Além do depoimento do promotor, outras três pessoas prestaram depoimento. O publicitário Fernando Bergoli afirmou que trabalhou por 4 anos no Grupo RBS como gerente comercial de uma das rádios. Segundo Bergoli, os réus Mauro e Kiko anunciavam na emissora os eventos promovidos pelas suas casas noturnas, a Absinto Hall (de Mauro) e a Boate Kiss (que era de sociedade dos dois) devido ao público ouvinte, que era majoritariamente de jovens. “Eram duas casas com destaque no cenário”.

Bergoli também confirmou que as tratativas na Boate Kiss eram realizadas com Elissandro Callegaro Spohr. “Tratávamos como dois clientes diferentes, com atendimentos distintos”. Segundo ele, as conversas com Kiko foram restritas e não houve avanço nas negociações. “Com as recusas dele, me parece que ficou claro que era ele quem estava decidindo”. Ele disse que foi em uma festa na Boate Kiss, uma vez. “Me senti confortável dentro da casa. Não tenho como precisar o volume de pessoas que havia lá naquele momento. Mas estava confortável”. Na Absinto, Bergoli não chegou a ir. Informou ainda que soube de outros estabelecimentos de propriedade de Mauro, no ramo da gastronomia.

Antes dele, Geandro Kleber de Vargas Guedes foi inquirido, no começo desta tarde. Na época, ele exercia função de contato comercial de uma empresa que fornecia bebidas para a Absinto e a Kiss, onde as tratativas comerciais sempre foram negociadas com Kiko. Houve a negociação entre eles e o fornecedor acabou colocando apenas uma marca de energético para venda na Boate Kiss. “O Kiko sempre foi uma pessoa solícita conosco. Naquele momento, ele precisava de energético e a gente forneceu”. A testemunha informou que nunca frequentou festas na casa noturna e nem assistiu a show da banda Gurizada Fandangueira.

Ex-prefeito depõe

Ainda pela manhã, prestou depoimento o ex-prefeito de Santa Maria, Cesar Schirmer. Ele afirmou que poderia, finalmente, falar o que por oito anos o que voluntariamente silenciou por causa da dor causada pela tragédia. “Recebi mais de 50 ofícios, 2 mil perguntas e nós respondemos adequadamente. A Prefeitura de Santa Maria foi a mais investigada do planeta”, esbravejou.

Segundo Schirmer, no momento do incêndio, a Boate Kiss tinha licença para operar. O alvará sanitário estava vencido e em processo de renovação. “Santa Maria tem 16 mil estabelecimentos e 4 mil servidores. A renovação do alvará sanitário demorou, sim, mas ele não é essencial para uma boate”. Mais adiante, questionado sobre vistorias de prevenção e proteção contra incêndio, Schirmer disse que a responsabilidade, de acordo com regulamentação estadual de 1997, é do Corpo de Bombeiros. “A prefeitura não se envolvia nisso. Quando a prefeitura recebia este documento, ele tinha fé pública”. Também o uso de artefatos pirotécnicos não era de atribuição do Município, segundo ele.

No começo do seu depoimento, ao fazer um relato geral ao magistrado, Schirmer fez duras críticas ao trabalho realizado pela Polícia Civil, responsável pelo inquérito policial que apurou as causas e responsabilizações iniciais do incêndio, que considerou ter sido realizado de forma “medíocre e espetaculosa”.

“Eu disse, à época, que o inquérito era uma ‘aberração jurídica’ e eu vou explicar porquê”. Schirmer apontou indiciamentos que considerou incoerentes. Disse que era “notável e notória a má vontade da polícia”. Informações falsas eram passadas à imprensa, “de forma subterrânea”. “O inquérito foi feito pela imprensa, não era um inquérito sério”. Ainda, que “faltou coragem, isenção, responsabilidade aos responsáveis”.