O Informe Trinacional Queimadas e Desmatamento em Territórios com Registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento, divulgado hoje (26), faz um alerta sobre a ameaça que essas ações representam à sobrevivência dos povos isolados da Bolívia, do Brasil e do Paraguai, que habitam regiões da Amazônia, do Grande Chaco Americano e do Cerrado brasileiro.
“A perda territorial, causada pelo desmatamento e incêndios, causa deslocamento em busca de locais mais seguros, mas traz outros perigos: abordagem involuntária às populações vizinhas e possível contágio de doenças. A situação é ainda mais complicada pela presença da covid-19, uma pandemia cujo crescimento exponencial compromete seriamente a vida desses povos, a herança viva da América e da humanidade”, concluiu o documento.
O informe resulta de iniciativa de mais de 20 organizações indígenas e da sociedade civil que integram o Grupo de Trabalho Internacional sobre os Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato Inicial (GTI PIACI) e que representam essas três regiões, diante do aumento na incidência de incêndios florestais e na taxa de desmatamento no ano passado.
Segundo o relatório, esse cenário começa a repetir-se em 2020, na medida em que as queimadas se estendem novamente pela Amazônia e pelo Grande Chaco Americano. A conclusão é que essa situação agrava a condição de extrema vulnerabilidade dos grupos isolados, porque os incêndios e o desmatamento destroem os territórios com os quais os povos têm dependência e são base de sua sobrevivência e de sua cultura.
Riscos
Para o especialista regional em questões de Povos Indígenas em Isolamento, consultor da organização Land Is Life e autor principal do relatório, Antenor Vaz, há ações evidentes dos Estados-Nação em uma perspectiva de exterminar esses povos, diante do que chamou de falta de providência dos governos diante de alertas antecipados. Entre os problemas que avançam sobre os territórios dos povos isolados estão a ação do garimpo e de madeireiras ilegais, grilagem de terra, narcotráfico e construção de grandes empreendimentos.
“Existe uma ausência não só de definição de políticas e implementação de políticas, mas também existe uma presença do estado por meio de um modelo de desenvolvimento, em que promovem a construção de hidrelétricas, o agronegócio, que avança sobre os territórios, queima e invade os territórios dos isolados. E existe uma ausência total do Estado para coibir as ações ilícitas”, declarou.
Ele alerta para o risco de genocídio dos povos indígenas isolados. Segundo ele, o que caracteriza um genocídio é o extermínio deliberado, parcial ou total, de um grupo indígena, de uma etnia, de uma seção religiosa, seja ela qual for. “O que temos observado nos três países [do relatório] e podemos dizer, de maneira geral, dos sete países [da América do Sul] com povos indígenas isolados, é que esses povos dependem fundamentalmente do seu território. Se você impacta esse território, você está criando condições para que esses povos não sobrevivam”, advertiu.
Outro resultado apresentado é que um elemento comum na origem do aumento das queimadas é a ação humana, impulsionada por situações como as práticas expansivas do agronegócio e da indústria extrativa – como a madeireira e a garimpeira. Essa situação, aliada à falta de marcos regulatórios efetivos para a proteção dos povos indígenas isolados, faz com que a situação deles seja cada vez mais precária, conforme avaliação no documento.
Dados
Foram analisados 99 Territórios Indígenas (TI) com registros de povos indígenas em situação de isolamento (PIA, na sigla em inglês) nos três países, constatando-se em 2019 um aumento de focos de calor na ordem de 258% na Bolívia, 259% no Brasil e 185% no Paraguai, na comparação com 2018. Os focos de calor detectados nas 32 unidades de conservação (áreas protegidas) também com presença de PIA em 2019, subiram 744% na Bolívia, 347% no Brasil e 44.150% no Paraguai, na comparação com 2018.
Para as análises, foram usados dados de fogo ativo – conhecidos também como focos de calor ou focos de queimada – de satélite do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com base nesses dados, foram elaborados informes locais de incêndios pela Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) no Brasil, a Iniciativa Amotocodie (IA) no Paraguai, e a Central Indígena de Comunidades Tacana II do Rio Madre de Dios (CITRMD) na Bolívia.
Com base nos dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), foram identificados 114 registros de presença de povos indígenas em situação de isolamento (PIA), incluindo confirmados, em estudo ou em informação. Destes, 81 estão em áreas protegidas (em terras indígenas ou em unidades de conservação) e foram considerados para este informe. Um total de 33 registros não estão em áreas legalmente delimitadas e, por isso, não foram avaliados.
Recomendações
O documento propõe recomendações para a implementação de medidas de proteção desses povos e de seus territórios. Para as Casas Legislativas dos três países, recomenda-se que legislem sobre uma proposta de Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que resulte em um plano de prevenção e combate aos desmatamentos na Amazônia, no Grande Chaco e no Cerrado.
Para a sociedade civil e Estados-Nações, a sugestão é que apoiem as iniciativas de povos indígenas com histórico de contato e suas organizações, fortalecendo, por exemplo, a formação de brigadas indígenas de combate e prevenção a incêndios, além de apoiar a autoproteção dos territórios. Em relação aos organismos multilaterais, pede-se uma atuação mais incisiva em relação aos Estados em uma perspectiva de combate a incêndios e destruição de territórios indígenas e unidades de conservação
Questionada sobre o alerta de ameaça de genocídio contra os povos indígenas isolados constante no relatório, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse, em nota, desconhecer o teor do documento citado e informou que, em parceria como Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo-Ibama), atua na execução de atividades de Manejo Integrado do Fogo (MIF) em terras indígenas, adotando atividades de prevenção e de combate a incêndios florestais nessas áreas.
A Agência Brasil pediu posicionamento dos Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, que destinaram a demanda à Funai e ao Conselho da Amazônia da Vice-Presidência. A reportagem aguarda resposta do conselho.