Cotidiano

Maré teve mais mortes por conflito armado em 2019 do em 2018, diz ONG

Nos seis primeiros meses de 2019, o Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, recebeu mais operações policiais e registrou mais mortes por conflitos armados do que em todo o ano de 2018, segundo dados divulgados hoje (12) pela organização não governamental (ONG) Redes da Maré, no Boletim Direito à Segurança Pública na Maré.

O estudo conduzido por pesquisadores do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré mostra que, no primeiro semestre de 2019, houve 27 mortes em conflitos armados no complexo, sendo 15 em operações policiais. Desse total, 12 mortes foram em confrontos entre grupos criminosos.

Em todo o ano de 2018, os pesquisadores registraram 24 mortes em conflitos armados, 19 delas em operações policiais e cinco em confrontos entre grupos armados. 

O Complexo da Maré abrange 16 comunidades e uma população de aproximadamente 130 mil pessoas, tendo sido transformado em um bairro oficialmente pela prefeitura do Rio em 1988. É um dos complexos mais populosos da capital fluminense.

Operações policiais

No ano passado, o Complexo da Maré recebeu nove operações policiais no primeiro semestre e sete no segundo, enquanto os seis primeiros meses de 2019 tiveram 21 operações.

O levantamento mostra que, de janeiro a junho, houve suspensão de aulas em escolas e fechamento de unidades de Saúde em 10 dias, mesmo número que em todo o ano de 2018. 

Entre as 21 operações policiais neste ano e contabilizadas pelo boletim, 14 foram da Polícia Militar, cinco da Polícia Civil e duas envolveram as duas corporações. Apesar de menos numerosas, as operações da Polícia Civil terminaram com mais mortes, com 10 óbitos, contra cinco das realizadas pela PM.

Ação civil pública

Coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, a assistente social Lidiane Malanquini, avalia que a piora dos dados se deve à derrubada da Ação Civil Pública (ACP), protocolada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que determinava uma série de protocolos em operações na Maré. A ação chegou a ser acolhida liminarmente pela Justiça em 2017, mas foi extinta pela 6ª Vara de Fazenda Pública da Capital em junho. 

A Defensoria Pública pedia a instalação de aparelhos de GPS e câmeras de monitoramento em tempo real nas viaturas que atuassem na comunidade; a presença de uma ambulância em dias de operação; a garantia de que os mandados de busca e apreensão só ocorreriam no período diurno; e a apresentação de um plano de redução de danos no prazo de 180 dias que levasse em consideração as características das favelas da Maré. 

As medidas haviam sido aceitas pela Justiça em caráter liminar e vigoraram por parte de 2017 e no ano de 2018 até serem suspensas em junho. A pesquisadora disse que, apesar de a medida judicial ter ficado em vigor até junho, ela vinha sendo desrespeitada desde o início do ano.

Protesto

Um protesto organizado pela Redes da Maré levou cartas de moradores da comunidade ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na tarde desta segunda-feira defendendo que a ação civil pública volte a vigorar. Mãe do adolescente Marcus Vinicius da Silva, que foi morto a caminho da escola na Maré em junho do ano passado, Bruna da Silva esteve no protesto e levou uma carta de sua outra filha, que tem 13 anos.

“A gente da Maré não é contra a segurança pública. Queremos uma segurança pública que garanta a nossa vida e o nosso direito de ir e vir. A ação civil pública precisa voltar. Ela garantia um pouco nossa vida lá dentro”, disse Bruna. 

Outro lado

Em nota, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro disse que as operações seguem planejamentos e rigorosos protocolos de atuação para preservar vidas e que, no caso da Maré, onde há diferentes facções criminosas, esse planejamento é “ainda mais minucioso”. 

A PM destaca que o número de homicídios dolosos na Área Integrada de Segurança Pública (AISP) 22, onde está a Maré, caiu em 2019, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. No primeiro semestre de 2018 houve 48 homicídios dolosos na AISP 22, enquanto neste ano, o número caiu para 36.

“O saldo operacional das ações tem se mostrado bastante positivo”, diz a nota da PM. “Vale lembrar que, em junho, numa única operação integrada das polícias Militar e Civil em duas comunidades da Maré, foram apreendidas 30 armas (entre as quais 23 fuzis) e 8,5 toneladas de drogas”.  Segundo a corporação, nos sete primeiros meses de 2019, foram apreendidas quase 200 armas e 10 toneladas de drogas no Complexo da Maré.

A Polícia Civil não se posicionou até a publicação dessa reportagem.