Universidades e faculdades públicas e particulares preparam-se para receber novos estudantes diante das incertezas causadas pela pandemia do novo coronavírus. Para quem já está matriculado, aulas totalmente suspensas ou aulas remotas tornaram-se rotina. Como ficam, então, as novas matrículas? Uma das preocupações é com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que impacta não apenas os estudantes, que têm que se preparar para o exame em um cenário adverso, mas também as instituições de ensino, que precisam estar preparadas para receber os calouros.
O Enem é a principal forma de ingresso no ensino superior no país e o exame mais esperado por milhares de estudantes. Com a nota do Enem, é possível ingressar em instituições públicas, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), pleitear bolsas de estudo em faculdades particulares pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) e obter financiamento das mensalidades pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
A pandemia do novo coronavírus mudou o cenário do ensino superior no Brasil e trouxe uma série de incertezas. Na semana passada, o Enem foi adiado, a pedido de estudantes e instituições de ensino. Ainda não há data definida para a realização do exame.
Nas universidades federais, as aulas presenciais estão majoritariamente suspensas, de acordo com o vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira Brasil. Mesmo com o adiamento do exame, a preocupação é em conseguir cumprir os semestres letivos.
Nas federais, nem mesmo o primeiro semestre de 2020 foi concluído. “A gente não terminou nem de receber os alunos do primeiro semestre de 2020. Já temos os alunos do segundo semestre de 2020 selecionados [no caso da UFG], que provavelmente só entrarão na universidade mais adiante. Impossível receber dois semestres ao mesmo tempo. Então, o Enem vai ter efeito para o ingresso no primeiro semestre de 2021 e a gente não sabe quando será”. Ele explica que o os semestres letivos diferem do calendário regular podendo inclusive extrapolar para o ano seguinte.
As instituições públicas discutem qual a melhor forma de retomar as aulas presenciais, mas ainda não sabem quando isso ocorrerá. “A discussão que toma conta da universidade hoje não é quando voltar mas como será a volta. Quais as discussões que a gente precisa ter, desde discussões do ambiente, infraestrutura, higiene, movimentação dos ônibus de estudantes, entre outras”, diz. A Andifes tem realizado seminários para discutir quais são as medidas necessárias para a retomada das atividades presenciais, medidas para serem tomadas no curto, no médio e no longo prazo, levando em consideração as condições da evolução da pandemia em cada local onde está inserida a universidade federal.
O ideal, de acordo com o reitor é que, ao invés de se fixar uma data para o Enem, a situação seja reavaliada mais para frente, de acordo com evolução da pandemia. “Têm outras etapas que precisam ser cumpridas. Ainda precisamos terminar de matricular o primeiro semestre de 2020”, diz e acrescenta: “Tem uma série de atividades que exigem que estudantes apresentem documentos que muitas vezes não estão sendo oferecidos pelas escolas. Muitos alunos não vão conseguir sequer trazer comprovante de renda ou de escolaridade.”
Instituições privadas
Nas instituições particulares de ensino superior, o cenário é diferente. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) mostra que, até o fim de abril, 78% das faculdades haviam migrado as aulas para ambientes virtuais. O semestre letivo, então, seguiu para a maior parte desses alunos.
“Estamos em um excepcionalidade, ninguém escolheu passar por isso. As decisões têm que ser pensadas observando o todo, estamos discutindo o adiamento para não prejudicar os alunos, mas não podemos colocar em risco todo o sistema. Pode haver adiamento, desde que não comprometa a entrada de novos ingressantes, [tendo como] limite o calendário de 2021”, defende o diretor executivo da Abmes, Sólon Caldas.
O setor privado concentra, de acordo com o último Censo da Educação Superior, de 2018, 75% das matrículas nessa etapa de ensino. O setor já vinha, de acordo com o diretor-executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil, Rodrigo Capelato, antes da pandemia, pleiteando a antecipação dos processos seletivos do Enem. Isso porque, geralmente, os estudantes esperam a finalização de todos os processos, do Sisu, ProUni e Fies para somente então realizarem as matrículas nas instituições privadas.
“Isso já vinha sendo um grande complicador porque as aulas, para cumprir calendário, começam em fevereiro e temos alunos entrando em março. Tem sido um dificultador muito grande para as instituições. Se eu adiar 30 dias [o Enem], na melhor das hipóteses, se mantiver esse processo, o calendário fica impossível. Os alunos vão entrar em abril, em maio, fica inviável de cumprir calendário letivo. Isso é preocupante para a gente”, diz.
O Semesp defende que haja mudanças no exame, como a realização da prova em apenas um dia e não em dois, como é feito atualmente. Defende também que não haja prova de redação este ano, para que a correção seja acelerada. Para equilibrar a desigualdade entre os estudantes, a entidade defende a ampliação da porcentagem de vagas destinadas aos estudantes de escolas públicas nas federais – a reserva atual é de 50% – e a revisão das notas mínimas necessárias para participar do ProUni e do Fies. “[Defendemos] que os critérios mínimos de entrada nesses programas sociais sejam revistos. Não posso deixar vagas sobrando, nem ProUni, nem no Fies, nem no Sisu”, diz.
Desigualdade no preparo
Devido a pandemia, os estudantes de ensino médio, que são público alvo do Enem, estão também com as aulas presenciais suspensas. Há, portanto, diferenças no preparo desses estudantes para o exame, o que, segundo o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara, pode gerar injustiças no resultado da prova.
Para o professor, o exame deve ser realizado após a finalização do ano letivo nas escolas de ensino médio. A data de conclusão varia de acordo com a rede de ensino. Em algumas, as aulas remotas contarão no calendário, em outras, não, e as disciplinas ainda serão repostas após o retorno às atividades presenciais. “Isso vai retardar o calendário das universidades? Vai. Mas, é o mínimo de justiça em relação ao exame, que é um exame tão relevante.”
“Muitos alunos vão prestar o exame sob uma enorme insegurança. Insegurança de conclusão do ano letivo, insegurança em relação à capacidade de responder o exame”, diz e acrescenta: “Se as secretarias estaduais de educação continuarem na linha que vêm adotando, esse vai ser um ano perdido em termos de aprendizado, porque fizeram educação a distância sem nenhum projeto pedagógico. Tinha outra alternativa? Não tinha alternativa. Mas, era preciso ter projeto pedagógico e projeto de distribuição de equipamentos, de equipar os alunos de condições para poder cursar as teleaulas e isso não foi feito.”
Adiamento
O MEC decidiu adiar o Enem 2020 em função dos impactos da pandemia do novo coronavírus. De acordo com a pasta, as datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais. O cronograma previa a aplicação do Enem 2020 impresso nos dias 1º e 8 de novembro. Já os participantes da versão digital fariam, inicialmente, a prova nos dias 11 e 18 de outubro. Essa data foi, posteriormente, adiada para 22 e 29 de novembro.
Para definir a nova data, o Inep promoverá uma enquete direcionada aos inscritos do Enem 2020, a ser realizada em junho, por meio da Página do Participante.