POR UNANIMIDADE

Forças Armadas não têm "poder moderador", decide STF

De forma unânime, ministros da Suprema Corte entenderam que Artigo 142 não autoriza intervenção militar em caso de conflito de poderes

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal. Foto: Marcello Casal Jr/ABr
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) julgaram e esclareceram que a Constituição de 1988 não permite às Forças Armadas ser um “poder moderador”. A votação foi unânime contra a argumentação que os militares poderiam intervir em caso de conflito entre os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

A tese do “poder moderador” foi alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), usada como argumento para justificar uma eventual intervenção militar. A decisão decorre de uma ação protocolada, em 2020, pelo PDT. O partido buscava impedir que o Artigo 142 da Constituição fosse usado para justificar o uso das Forças Armadas para interferir no funcionamento das instituições democráticas.

Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Conforme o texto, os militares estão sob autoridade do presidente da República. E se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais.

Segundo Fux, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes. E que o presidente da República não pode usar ógãos de Estado para este fim.

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou o relator.

Voto

Ao votar, o ministro Flávio Dino propôs que a decisão do STF seja enviada às escolas de formação e de aperfeiçoamento militares. No entanto, apenas cinco ministros acompanharam esse voto, não formando, portanto, maioria.

Dino abriu o voto citando trecho de discurso feito pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, em 1988. “Traidor da Constituição é traidor da pátria”.

Dino argumentou que não existe, na Constituição Federal, qualquer menção sobre um poder militar. “O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como, aliás, consta do artigo 142 da Carta Magna”, disse o ministro.

Desejo de poder

O voto de Dias Tóffoli destacou a importância das Forças Armadas para o país em áreas “relevantes e sensíveis”. Mas sublinhou que estas são instituições de Estado cujos esforços se concentram em objetivos que transcendem interesses políticos transitórios. Portanto, que devem estar “livres de qualquer captura ou desejo de poder”. Ele, ainda, classificou como “aberração” interpretar que caberia a elas o papel de um eventual poder moderador.

“Superdimensionar o papel das Forças Armadas, permitindo que estas atuem acima dos poderes, é leitura da Constituição de 1988 que a contradiz e a subverte por inteiro, por atingir seus pilares — o regime democrático e a separação dos poderes. Residiria nisso um grande paradoxo: convocar essas forças para atuar acima da ordem, sob o argumento de manter a ordem, seria já a suspensão da ordem democrática vigente”, argumentou Toffoli.

O ministro lembrou que entre o final do Império e a redemocratização, as Forças Armadas “usurparam e se arvoraram em um fictício poder moderador”. Lembrou também que, durante a ditadura entre 1964 a 1985 elas assumiram o poder com “atribuições as quais a elas jamais foram constitucionalmente concedidas”.

Aberração jurídica

Toffoli disse que a a interpretação errônea do artigo 142 é uma “aberração jurídica”. “Para além de se tratar de verdadeira aberração jurídica, tal pensamento sequer encontra apoio e respaldo das próprias Forças Armadas”, argumentou. “Sabiamente [as Forças Armadas] têm a compreensão de que os abusos e os erros cometidos no passado trouxeram a elas um alto custo em sua história”, concluiu.

O voto de Alexandre de Moraes destacou que nunca, na história dos países democráticos, houve previsão de que as Forças Armadas seriam um poder de Estado. “Ou, mais grave ainda – como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática interpretação golpista –, nunca houve a previsão das FA’s como poder moderador, acima dos demais poderes de Estado”.

Supremacia civil

“A preservação da supremacia civil sobre a militar é essencial ao Estado Democrático de Direito. É pacífico nas democracias presidencialistas, como a brasileira e a norte-americana, que a previsão constitucional de chefe comandante pretende garantir toda autoridade marcial ao chefe do Poder Executivo, submetendo as FA’s aos poderes constituídos e a supremacia da Constituição Federal”, complementou.

O ministro Cristiano Zanin seguiu também a linha argumentativa de que não existe mais poder moderador no Brasil. Além disso, afirmou que não há espaço para interpretação do texto constitucional que dê, às Forças Armadas, tal titularidade.

“Revela-se totalmente descabido cogitar-se que as Forças Armadas teriam ascendência sobre os demais poderes, uma vez que estão subordinadas ao chefe do Poder Executivo e devem atuar em defesa dos poderes constitucionais – afastando-se de qualquer iniciativa de índole autoritária ou incompatível com a Lei Maior”. 

“Sublinho: as Forças Armadas são instituições permanentes de Estado e não podem agir contra a Constituição ou contra os Poderes constituídos”, acrescentou.