A Justiça decidiu transferir o expediente criminal envolvendo o incêndio na Pousada Garoa, em Porto Alegre, para uma Vara do Júri. A Polícia Civil havia indiciado três pessoas por homicídio culposo, mas com o agravante morte.
O caso será julgado como homicídio com dolo eventual, quando os réus assumem o risco de causar morte. Ou seja, embora não tenha a intenção racional e direta de matar, assume-se o risco de causar a morte de alguém.
A mudança foi determinada pela Juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, da 9ª Vara Criminal da Comarca da Capital, atendendo a um pedido do MP-RS (Ministério Público do RS) feito na última terça-feira (28). Com isso, o processo passa a tramitar no 2º Juizado da 3ª Vara do Júri de Porto Alegre.
O incêndio ocorreu em 26 de abril de 2024 e resultou na morte de 11 pessoas, além de 14 feridos. A pousada, localizada na avenida Farrapos, entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi, próximo da Estação Rodoviária de Porto Alegre, abrigava pessoas em situação de vulnerabilidade social. Na ocasião, 32 ocupantes estavam no local, conforme um convênio entre o estabelecimento e a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania).
Falta de Alvará e PPCI
O Corpo de Bombeiros confirmou que a Pousada Garoa não possuía alvará de funcionamento nem PPCI (Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio) válidos. Apesar disso, a Prefeitura de Porto Alegre mantinha um convênio com o estabelecimento, no valor de R$ 225.448,33 mensais, totalizando mais de R$ 2,7 milhões anuais. Mas a infraestrutura do prédio era precária.
Após o incidente, o prefeito Sebastião Melo reconheceu que havia uma discrepância entre a documentação apresentada na licitação e a realidade operacional da pousada.
Denúncias de negligência
Trabalhadores da rede de assistência social denunciaram condições precárias nos abrigos administrados pela Prefeitura, incluindo a Pousada Garoa. As irregularidades apontadas incluem:
- Falta de água e energia elétrica devido à inadimplência;
- Casos frequentes de violência entre os abrigados;
- Equipes sem preparo ou formação adequada para emergências;
- Moradores expostos a riscos diários devido à precariedade estrutural.
MP aponta dolo eventual
Após analisar o inquérito policial, o Promotor de Justiça Criminal responsável pelo caso considerou que há indícios de dolo eventual nas mortes. No pedido ao Judiciário, o MP argumentou que o local não possuía plano de prevenção contra incêndios, funcionários capacitados para emergências e apresentava problemas estruturais graves. Entre os fatores apontados estão:
- Saídas insuficientes para o número de ocupantes;
- Escadas obstruídas e grades nas janelas, dificultando a evacuação;
- Divisórias de madeira nos quartos, aumentando a carga incendiária;
- Botijões de gás próximos aos quartos, sem isolamento adequado.
A denúncia do MP-RS apontou três pessoas pelo crime de incêndio culposo com resultado morte:
- O proprietário da pousada;
- O presidente da FASC à época;
- A servidora responsável pela fiscalização do contrato entre a Prefeitura e o estabelecimento.