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Justiça gaúcha anula contrato social por crime de estelionato sentimental

Uma mulher ingressou com o pedido para retirar o nome dela da sociedade que havia ingressado com o filho do ex-noivo, o qual conhecera em um aplicativo de relacionamento

O TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) reportou, nesta quinta-feira (15) o caso de uma mulher que ingressou com uma ação anulatória de alteração de contrato social buscando retirar o nome dela da sociedade que havia ingressado com o filho do ex-noivo, o qual conhecera em um aplicativo de relacionamento. A decisão é da terça-feira (13).

A autora do pedido relatou que, após quatro meses de namoro com o homem, passou a fazer parte do quadro societário da empresa, anteriormente formado pelo pai e pelo filho. Então ela fez empréstimos para injetar mais de R$ 1 milhão no negócio, uma agroindústria.

Segundo o Juiz de Direito da Vara Regional Empresarial de Porto Alegre, Gilberto Schäfer, a injeção de dinheiro por parte da vítima ocorria de modo fraudulento. Isso porque pai e filho se valiam de encenações em que o “homem se mostrava, inicialmente, como pessoa atenciosa, amorosa, influente e dizia passar, momentaneamente, por problemas de disponibilidade financeira”. Embora o noivo não integrasse mais o quadro societário, ele tinha procuração do filho com amplos poderes para gerir a empresa.

A autora disse ainda que, ao perceber o golpe e buscar prestação de contas, foi respondida com grosseria, tonando-se insustentável a relação entre os sócios. Alegou também temer o aumento de dívidas com a má gestão da sociedade, fazendo aumentar os seus prejuízos financeiros.

A mulher afirmou que se viu como “vítima perfeita dos planos da parte ré”, uma vez que era bem sucedida financeiramente, além de estar, na época dos fatos, apaixonada pelo réu e incapaz de perceber as reais intenções do homem. O casamento já estava marcado, com o vestido de noiva escolhido.

O juiz decidiu então pela anulação da alteração do contrato social para a exclusão do nome dela. O magistrado considerou que a alteração na sociedade foi um meio fraudulento articulado pelo pai e pelo filho para obterem dinheiro e envolverem a autora.

Estelionato sentimental

A conduta de estelionato sentimental se caracteriza pela prática de fraude para obtenção de vantagem econômica. Na esfera criminal, segue em tramitação um processo criminal contra o ex-noivo que responde pelo crime de estelionato.

“Os réus utilizaram de técnica de fraude. Usando de dolo intenso, mantiveram a autora em erro. Utilizaram a falsa representação de pessoa bem-sucedida, amiga de pessoas influentes, empresário, com discurso que iam ao encontro de uma idealização romântica da autora”, pontua o Juiz.

“A humilhação e o estigma de tal relacionamento é fortemente repudiado pela dignidade, ao transformar o outro, os sentimentos do outro em objeto. Neste sentido, o estelionato sentimental tem consequências além das patrimoniais, pois abala a confiança da vítima em outros relacionamentos que ela possa vir a ter”, diz.

Protocolo de gênero

Na fundamentação da decisão, o Juiz aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, conjunto de diretrizes determinadas CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para que os julgamentos levem em conta as especificidades das pessoas envolvidas a fim de evitar preconceitos e discriminação por gênero e outras características.

O magistrado entendeu que questões de gênero podem se fazer presentes, não apenas por atingirem as mulheres de forma exclusiva, mas porque elas são atingidas em maior intensidade e em maior número. A partir dessa compreensão, entendeu que é fundamental a aplicação da Lei Maria da Penha, que repudia a violência psicológica, e que, em complementariedade, deve ser aplicada também ao direito civil e ao direito empresarial.

“No presente caso, se fazem presentes os elementos de manipulação e humilhação que configuram violência psicológica e estelionato sentimental. Se não fossem as promessas amorosas de matrimônio jamais teria (a autora) confiado tão cega em suas promessas de lucratividade e bons negócios”, afirma.