Recebi o diagnóstico de transtorno bipolar há aproximadamente oito anos. De lá pra cá, convivo com a medicação e sintomas bem específicos, com os quais hoje já tenho mais familiaridade. É custoso falar do tema, pois aceitar e dizer que alguns de nossos traços são uma doença cria um cenário onde podemos nos colocar no lugar de vítimas, utilizando o diagnóstico como uma espécie de bengala que explicaria todos os acontecimentos de nossa vida.
Nesses anos já li sobre o tema e colhi diversas opiniões sobre o assunto. Há desde pessoas que não botam muita fé no diagnóstico, até aquelas que consideram o transtorno um dado quase que puramente orgânico, ligado à captação da dopamina no cérebro. Fato é que convivo com os sintomas, principalmente um estado eufórico, que às vezes dura um tempo considerável e que se segue a uma espécie de desligamento mental. Como se tivessem apagado um fósforo.
Além da medicação, faço terapia há quase dez anos. E após esse tempo posso dizer que funciona. É complicado pois há esse choque entre ideais eufóricos do bipolar e as colisões geradas no processo terapêutico. Você melhora, mas a partir de uma série de quedas que sofre. A euforia deixa longos rastros de lutos, em uma série de ciclos nos quais o doente nem sempre se dá conta de que está neles.
Mas há também espaço para boas vivências. Nesse meio tempo eu consegui emprego, cheguei a mudar de cidade, cultivei minhas amizades e por aí vai.
Então, escrevo esse texto para admitir que o transtorno existe. A terapia abre um bom espaço para nos pensarmos livres de rótulos, como pessoas como quaisquer outras, mas ao mesmo tempo penso em tudo que vivi nesses últimos anos e lembro de todas as vezes em que esses sintomas se impuseram como obstáculos.
Quando você está eufórico, ou em mania, o seu pensamento vai muito longe, tornando doloroso para o bipolar a percepção do descompasso que existe entre o que ele imagina e o que ele vive de fato. Se cria uma situação de quase impossibilidade, em que o corpo bipolar não gera as condições produtivas ao ponto de que elas acompanhem o que a imaginação está produzindo. E esse descompasso pode gerar não só desorganizações no plano psíquico do doente, como afetar sua relação com o mundo ao redor.
Assim, existe um duplo trabalho na terapia de colocar no mesmo ritmo o que a pessoa pensa e o que ela realmente faz. Isso passa por fazê-la repensar sua relação com o dinheiro e com o poder de modo geral. Tudo isso, sem que ela abra mão de sua capacidade de fantasiar sobre a vida. Trabalhar quietinho ouvindo um som, dormir bem, cuidar da alimentação, surgem como tarefas a se valorizar.
Além disso, creio que é preciso se atentar ao modo como o processo de produção se engendra com as relações sociais. A geração da riqueza possui um vínculo direto com as expectativas sociais, com as demandas que circulam em uma cultura. E, por isso, às vezes um passo para trás, aceitar não participar tão ativamente deste processo, pode gerar um espaço para respirar.
Assim, como tem a ver com expectativas, há também uma relação com o reconhecimento social, e parte desse luto é entender que os aplausos não virão de toda parte. Que o amor é mais cotidiano na mesma medida de sua raridade, e nos pede pleno engajamento de modo a produzir vínculos também mais reais.
Não é preciso ser um super-herói para ser amado. Talvez só atentando para sua volta e percebendo o que está acontecendo já ajude. Não há garantias contra o sofrimento, mas gosto de pensar que podemos nos permitir refletir sobre o que realmente tem valor na vida, para perceber que até para sonhar há uma maneira mais saudável de proceder.