Como em toda época histórica, a humanidade enfrenta conflitos de valores, muitos deles entre velhas e novas gerações. Embora vivendo juntos, dentro de casa mesmo, não necessariamente compartilhamos das mesmas ideias, interesses e sentimentos. Além disso, a polarização política invadiu muitos lares de famílias do Brasil, causando fissuras de toda ordem onde elas até então não existiam, pelo menos não deliberadamente.
Conforme a psicóloga Thaís Gaspari, da UCS (Universidade de Caxias do Sul), uma série de fatores contribuem para disfunção no âmbito familiar. Entre eles estão divórcios, número e idades de filhos e enteados, mudanças geográficas, doenças prolongadas de membros da família, experiência de abuso físico e sexual, psicopatologias como esquizofrenia ou depressão, dentre outros.
Além disso, segundo a psicóloga, a sociedade atual vive uma série de transições. Entre elas “a maior longevidade humana; a participação crescente da mulher no mercado de trabalho; o divórcio e as organizações familiares distintas da família nuclear tradicional; o controle sobre a gravidez a partir dos métodos anticonceptivos e as transformações ocorridas nos papéis parentais e de gênero. Dois pais com filhos adotados, duas mães sem filhos, filhos frutos de barrigas de aluguel, pais transgêneros, mães solos, etc”, descreve.
Na mesma linha, Ana Cristina Garcia Dias, William B. Gomes, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a partir de um estudo sobre gestação na adolescência, falam da dificuldade dos pais em tratar da sexualidade. Segundo a pesquisa, os jovens sentem-se constrangidos ou temem a desaprovação de seus pais. Os pais, por sua vez, sentem-se despreparados e desajeitados para abordar o assunto.
Comunicação não-violenta
Dessa forma, Gaspari diz que os erros comunicacionais afastam os membros da família, podendo deixar registros e refletindo nas relações durante toda a vida dos indivíduos. Isso porque a família é a primeira instituição a facultar as relações, e o modo como a própria família se comunica. Tanto entre ela como com as outras pessoas do círculo de convivência.
Nesse contexto, Gaspari trata da importância de uma comunicação não-violenta dentro das famílias:
“Quando entende-se o que se quer e o que se espera do outro nessa relação dual de fala e escuta, é possível agir com compaixão e aplicar a real empatia nas relações, diminuindo assim os conflitos. No momento em que o foco é em entender os próprios sentimentos e o que o outro sente perante algo, sem julgá-lo, mas sim ouvindo-o e o acolhendo, a pressa do dia-a-dia, o estresse e os outros compromissos já não tem tanta importância. O importante, no momento da conversa com o outro – principalmente esse sendo um familiar seu, é estar ali de corpo e alma, genuinamente compassivo e pronto para entender e fazer trocas, visando a escuta empática e se colocar no lugar do outro e ouvir – sem julgamentos. Também, antes de dar conselhos, o foco reside em abrir a mente e o coração e perceber os sentimentos e necessidades do outro, sempre com compaixão, respeito e principalmente atenção, no aqui e agora”, diz a psicóloga.
Além disso, na direção do pensamento de Gaspari, em “Palavras Mágicas”, de Áurea Lopes, a USP (Universidade de São Paulo) disponibiliza um reflexão sobre como aproximar pais e filhos através do diálogo. O material enfatiza, na relação pais e filhos, não só a importância de compartilhar argumentos mas também emoções. E, ainda, a necessidade de, antes de se perguntar sobre os filhos, os próprios pais pensarem sobre os diálogos entre o casal.
Com pensamento semelhante, Gaspari afirma, por fim, que esta modalide de comunicação faz os membros da família alcançarem novos níveis de consciência e, dessa forma, palavras antes repetitivas tornam-se respostas conscientes. A falas devem, assim, se basear na percepção do que cada um está, de fato, sentindo mediante o ocorrido. “Para este fim, o foco seria que cada um se expressasse com bastante honestidade e clareza, tornando a comunicação familiar como um todo muito mais atenciosa e respeitosa”, conclui.