UM ANO DEPOIS DA ENCHENTE

Porto Alegre segue vulnerável a nova enchente, um ano após a tragédia de 2024

Capital gaúcha não tem sistema de proteção plenamente e áreas vulneráveis seguem expostas.

Porto Alegre, RS, Brasil - 03/5/2024 | Início da enchente no Centro Histórico de Porto Alegre. Crédito: Giulian Serafim / PMPA
Porto Alegre, RS, Brasil - 03/5/2024 | Início da enchente no Centro Histórico de Porto Alegre. Crédito: Giulian Serafim / PMPA

Quem andou pelo Centro de Porto Alegre neste sábado, 3 de maio de 2025, pode dizer que a cidade se recuperou da enchente de 2024. Milhares de pessoas aproveitaram o dia ensolarado e com calor fora de época para comprar, passear e se alimentar na área histórica da Capital gaúcha.

Mas quem viveu não esquece o dia 3 de maio de 2024. Aquele dia cinza, sombrio, carrancudo, que trouxe para a cidade do porto dos casais a pior cheia já registrada. Cenas que são difíceis de tirar da lembrança, principalmente quando o “coração” de Porto Alegre parou, afogado por mais de metro de água barrenta.

A água inundou bairros inteiros, São Geraldo, Parque Humaitá, Anchieta, além de parte da Cidade Baixa, Menino Deus, Floresta, Sarandi, entre outros. A nível estadual, a tragédia deixou mais de 180 mortos, 2,3 milhões de pessoas afetadas e cerca de 100 mil desabrigados em todo o Rio Grande do Sul .

O Muro da Mauá resistiu aos 5 metros de parede de água, mas se tornou incapaz de impedir o alagamento da cidade. As comportas falharam, sim, mas há outras vulnerabilidades no tão falado sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre.

Algo mudou?

Paço Municipal em 3 de maio de 2025. Crédito: Leonardo Severo / Agora RS

Um ano depois, a pergunta que paira sobre a capital gaúcha é: estamos preparados para evitar que isso se repita? A resposta é um gigantesco “NÃO”.

Desde o dia 1º de maio de 2024, a Prefeitura de Porto Alegre sabia que teria uma enchente para enfrentar. Mas, como é de cosutume, deixou para última hora. As últimas comportas foram fechadas pouco cerca de 16 horas antes da água invadir o Centro da Capital.

Ficou evidente que o sistema de proteção falhou antes do pico da cheia. A água ingressou pelo sistema de drenagem no Centro e até pelo Conduto Forçado Álvaro Chaves-Goethe, inundando parte do 4° Distrito, como já tinha ocorrido no ano anterior.

Depois, ocorreram os outros problemas, como os das comportas e o extravasamento do dique no Sarandi. Tanto é que a enchente chegou na Cairú, perto da Benjamin Constant, ainda na manhã de sábado (4). O pico da enchente, no entanto, ocorreu apenas no domingo (5).

Os relatórios apontam que a falta de manutenção que o sistema falhou como um todo. As comportas tinham brechas de até 10 cm, motores instalados ao nível do solo. Além disso, os motores das estações de bombeamento ficaram inoperantes por falta de energia elétrica, ou risco de choque elétrico. No momento mais crítico, apenas quatro das 23 casas de bombas estavam funcionando no auge da enchente.

Alertas sobre a necessidade urgente de manutenção foram ignorados por anos, resultando em uma tragédia que poderia ter sido mitigada.

Investimentos insuficientes e falta de planejamento

Fechamento definitivo das comportas 5 e 7 do sistema de proteção contra cheias, localizadas na avenida Mauá, no Centro Histórico
Fechamento definitivo das comportas 5 e 7 do sistema de proteção contra cheias, localizadas na avenida Mauá, no Centro Histórico. Crédito: Luciano Lanes / PMPA

Apesar de a prefeitura afirmar que investiu R$ 592 milhões desde 2021 em obras contra cheias, apenas uma pequena fração desse montante foi destinada diretamente à manutenção do sistema instalado. Em 2023, por exemplo, não houve nenhum investimento específico nessa área, mesmo com enchentes acima dos 3 metros em setembro e novembro.

Em resumo, a cidade continua vulnerável. A Prefeitura fechou uma comporta, prevê reforçar o Muro da Mauá, aumentar a altura do Dique do Sarandi. Mas e os acessos rodoviários, verdadeiros buracos abertos nos diques, como no acesso da avenida Ernesto Neugebauer, no Humaitá; e o acesso da avenida Assis Brasil para Cachoeirinha? Vão colocar apenas sacos de ráfia com areia e cimento e vão continuar dizendo que “resolvido está”?

A falta de um plano de ação eficaz e a ausência de investimentos contínuos colocam Porto Alegre em risco iminente de enfrentar uma nova catástrofe. E não precisa nem vir o próximo El Niño. Só ocorrer um temporal como o de 29 de janeiro de 2016 ou 16 de janeiro de 2024 para a cidade ficar completamente paralisada.

Ameaça segue presente

Crédito: Mauricio Tonetto / Secom

Especialistas alertam que eventos climáticos extremos, como a enchente de 2024, podem se tornar mais frequentes devido às mudanças climáticas. Um estudo da ANA (Agência Nacional de Águas) indica que eventos semelhantes podem ocorrer a cada dez anos, com um aumento potencial de 20% nas cheias dos rios do estado .

Diante desse cenário, já passou da hora da população de Porto Alegre cobrar os governantes por medidas concretas para fortalecer o sistema de defesa contra enchentes. Isso inclui a manutenção regular das infraestruturas existentes, mas também investimentos em novas tecnologias de contenção e a implementação de políticas públicas eficazes de prevenção e resposta a desastres.

Outra medida que precisa sair do papel trata-se da retirada de famílias nas áreas do bairro Arquipélago e de repensar o ordenamento urbano em parte da zona norte da Capital, uma área totalmente vulnerável a novas cheias do Guaíba.

Sem essas ações, o risco de reviver os traumas da maior enchente da história segue à espreita. Basta apenas o próximo El Niño bater na porta.