Os três policiais militares suspeitos de envolvimento na morte de Gabriel Marques Cavalheiro, de 18 anos, foram indiciados por homicídio triplamente qualificado pela Polícia Civil. O relatório final do inquérito que investiga o caso foi divulgado em coletiva na tarde desta quinta-feira (1º), na sede do Palácio da Polícia, em Porto Alegre.
O segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen e os soldados Cléber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso estão presos preventivamente no Presídio Militar de Porto Alegre. A polícia diz que as prisões devem ser mantidas. Os crimes atribuídos aos três são motivo fútil, emprego de tortura e utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O corpo de Gabriel foi encontrado dentro de um açude na localidade de Lava Pés, distante cerca de seis quilômetros da sede do município de São Gabriel, na Fronteira Oeste. O jovem havia desaparecido após uma abordagem por parte de três policiais militares, no mesmo município, no dia 13 de agosto.
Segundo o laudo de necropsia do IGP (Instituto-Geral de Perícias), Gabriel sofreu hemorragia interna após sofrer uma pancada na parte de trás do pescoço. Também foi detectada uma lesão na região da cabeça da vítima. Outro exame, divulgado na sexta-feira da semana passada, havia confirmado que o corpo estava há pelo menos cinco dias no açude.
A perícia também apontou que o jovem não tinha água nos pulmões. Isso indica que a vítima já estava sem respirar quando foi deixado no açude. A Brigada Militar já havia confirmado que a viatura onde Gabriel foi levado fez uma parada de 1 minuto e 50 segundos perto do açude.
A investigação afirma que a vítima veio a óbito em decorrência das agressões. Mas busca também, agora, saber quem e como levou o corpo de Gabriel até o açude onde foi encontrado seu corpo.
Sangue humano foi encontrado no porta-malas de uma segunda viatura da Brigada Militar de São Gabriel. Amostras foram coletadas para realização de testes para identificar se o sangue é de Gabriel. Esse veículo, que está alocado na patrulha rural, ficou parado das 3h55 às 4h24 da madrugada de 13 de agosto em uma estrada rural de São Gabriel.
Mensagens mostram deboche e preocupação
Mensagens dos celulares dos agentes, interceptadas pela investigação, mostram que eles debocharam do desaparecimento de Gabriel. “Culpa do gordinho… com a barriga cheia de Baurú…kkkkk”, escreveu o segundo-sargento Jacobsen, às 21:22:26 de 13 de agosto de 2022 ao soldado de Lima, após enviar um print de um pedido de ajuda para localizar a vítima. “Gordinho”, a que Jacobsen se refere, é o soldado Pedroso, o terceiro PM investigado.
Os soldados Pedroso e de Lima também trocam mensagens, entre 22h08 e 22h24 daquela noite. A primeira mensagem é de Pedroso: “não tá em 30”, afirma, em uma referência a um código policial que quer dizer óbito. Depois, ele questiona o colega se ele chegou a comentar com alguém e diz que não comentou com ninguém. “Tomara que não se lembre como chegou lá”, diz às 22:09:06. Menos de um minuto depois, as 22:10:02 diz “Tomara que não dê ladaia isso ai”. Ladaia tem referência à possibilidade de problema.
De Lima começa a responder as mensagens anteriores de Pedroso, dizendo que não sabe se Gabriel estaria morto (em 30) e que não comentou com ninguém. Pedroso emenda: “Só dá ladaia se aquela mulher da casa abrirem a boca”. De Lima responde: “Pois é”. Os soldados passam a se questionar se há câmeras que possam ter flagrado o deslocamento das viaturas da polícia.
Pedroso volta a falar de Gabriel em uma sequência de cinco mensagens (cada ponto e vírgula é uma mensagem): “Ele tava bem de boas; Não tava em 30; E se tivisse; Já tinham visto; Ali cruza carro direto”, afirmou. De Lima responde mais adiante: “Só se saiu e morreu de frio”. Pedroso replica em outras cinco mensagens: “Só se for; Mas acho que não; Ia seguir a estrada; Não ia largar pelos campo; Ou se atiro no açude ali perto haha”, brinca. Pedroso responde: “Puta merda; Nem brinca; Tá loco”. De Lima envia foto de uma garrafa de cerveja e de um espeto de churrasco às 21:15:51. Dois minutos e dois segundos depois, Pedroso responde: “Vamo aguarda os próximos capítulos dessa novela”. Ainda naquela noite, os dois trocariam duas mensagens. “Relaxa come um X”, diz de Lima à Pedroso, que responde: “Vou fazer isso”.
O tom dos policiais muda a partir de 14 de agosto, um domingo. Eles passam a se preocupar com a investigação do crime. Ainda durante a madrugada, entre 3h01 e 4h33, Pedroso fala com de Lima. “Alguém viu o loco entrando na VTR; A Civil já sabe; Ligaram pra QTL pra saber se era verdade; As mulher da casa lá a princípio; O gurizao a princípio já tá de volta tá lá no bairro Brasil; Tomando todas; Mas não acharam ainda; Me liga de manhã se der”. O colega responde: “Tá tranquilo”.
Às 18h, eles voltam a conversar. Pedroso diz que achava que iam ligar para de Lima. Não fica claro quem estava ligando para o policial. “Eu acho que vai ser hoje a hora que tu chegar vão querer saber; Pq tavam me ligando de novo de manhã; Mas não atendi”, diz Pedroso, que tenta acalmar o colega: “Mas não tem negão; E só falar aquilo ali que foi oque aconteceu da carona; E já era; Da um gás hoje; Vê se acha esse loco; Diz que tá lá no bairro Brasil; Apresenta ele deve estar fora da casa de novo”. De Lima responde: “Sim; Vou dá uma olhada; Tem que aparecer, de preferencia vivo”
Pedroso e o segundo sargento Jacobsen marcam uma conversa na noite daquele dia. “Posso ir aí trocar uma ideia”, questiona o soldado às 18:35:13. O sargento responde: “Claro”. A resposta do subordinado é: “Vou aí então”.
No dia 16 de agosto, o sargento Jacobsen avisa Pedroso que um morador possui imagens de câmera de segurança. Ele recebe o contato da pessoa, o endereço e o celular. Na quarta-feira, começam as buscas no açude onde Gabriel seria encontrado sem vida na sexta-feira. O soldado vai mantendo o sargento a par das operações: “Na rádio diz que já acharam a jaqueta”, diz o subordinado. “Perto da barragem??”, questiona Jacobsen. Pedroso avisa que não tem detalhes: “Não sei, só ouvi que acharam a jaqueta; E que os cachorros deram sinal em direção a barragem; Bombeiros estão na água; Fazendo buscas”. O sargento ainda cita que a advogada deles chegou no quartel “dizendo que tinham um corpo”. “Acredita numa coisa dessas”, pergunta Jacobsen. “Que loucura”, responde Pedroso. Nos minutos seguintes, os dois PMs combinam de falar com a advogada e reforçar o discurso de que apenas tiraram Gabriel do local da ocorrência.
Com as buscas se intensificando, os policiais deixam de conversar por mensagens via aplicativo entre 18 e 19 de agosto. Na tarde daquela sexta-feira, o corpo de Gabriel é encontrado no açude. Os três policiais são presos em uma ação da Brigada Militar na noite do mesmo dia.