Uma pesquisa realizada por uma pesquisadora do Laboratório de Arqueologia da Univates (Universidade do Vale do Taquari) apresentou novos dados sobre as antigas ocupações nas áreas de lagoas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, que têm sido de grande interesse para a comunidade arqueológica nacional.
O trabalho contou com a participação da pesquisadora Fernanda Schneider, pós-doutoranda em Arqueologia pelo Conicet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas), de Buenos Aires, Argentina, que está vinculada ao Laboratório de Arqueologia do Museu de Ciências da Univates.
Ela tem contribuído para diversos projetos de pesquisa, incluindo o estudo “Muita comida, pouca gente: perspectivas acerca dos sítios rasos do Litoral Norte do Rio Grande do Sul”, que foi recentemente publicado no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas, revista indexada na plataforma científica SciELO.
A motivação que originou essa pesquisa foi um processo de licenciamento ambiental, realizado devido à instalação de um empreendimento do setor elétrico no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
A partir disso, Fernanda explica que a pesquisa se concentrou em quatro sítios arqueológicos localizados perto da Lagoa dos Quadros.
“Tendo sido aplicada uma metodologia diversificada com o objetivo de preservar esses ambientes enquanto eram coletadas informações sobre sua estrutura e contexto cronológico e cultural, com o mínimo de intervenção possível”, ressaltou a assessoria de imprensa da Univates.
O primeiro passo foi realizar um levantamento detalhado na área de cada sítio e nas imediações, empregando uma variedade de técnicas de levantamento topográfico.
Para analisar a camada de solo de cada sítio, os arqueólogos também escavaram trincheiras com profundidade de até um metro. O sedimento retirado foi peneirado e todos os vestígios encontrados foram documentados e analisados.
Descobertas
Fernanda revela que o estudo trouxe novos dados sobre as antigas ocupações das áreas de lagoas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
Um deles mostrou a amplitude cronológica da atividade humana nesses espaços, que abrangeu cerca de 2.000 anos, entre 2.300 e 300 anos antes do presente.
A pesquisa analisou também a diversidade de grupos que ocuparam esses locais ao longo do tempo, incluindo os povos sambaquieiros, que habitaram o litoral brasileiro por milênios, deixando sambaquis e concheiros como registros de sua presença.
Posteriormente, grupos como os Jê do Sul e os Guarani também se estabeleceram na região, cada um com suas características culturais distintas.
Apesar das diferenças culturais entre eles, todos parecem ter utilizado os locais para estabelecer áreas de acampamentos, ocupadas por um curto período de tempo.
O estudo também revelou a importância desses sítios como acampamentos periódicos, onde eram realizadas atividades intensivas de caça e pesca. Isso porque foram encontrados vestígios de queima e fragmentação de ossos, juntamente com uma abundância de carvão e pedras queimadas, sugerindo que as espécies capturadas eram processadas naquele local, provavelmente para posterior consumo em assentamentos maiores.
Já artefatos de uso cotidiano, tanto lítico como cerâmico, foram encontrados em pouca quantidade. “Assim, entendemos que o produto da caça e da pesca preparado nos acampamentos era transportado e consumido posteriormente nos assentamentos maiores, que não deveriam se situar tão longe desses pequenos paradeiros estratégicos”, explica Fernanda.
A pesquisadora conta também que, além de sua relevância histórica, a pesquisa trouxe à tona um outro achado, a descoberta de um sepultamento humano bem preservado em um dos sítios.
“O sepultamento, que estava no nível da ocupação sambaquieira, era direto no solo e tinha o eixo do corpo direcionado para oeste, em direção à Lagoa dos Quadros, e a face do indivíduo voltada para baixo, com a região frontal do crânio em contato direto com o solo. Junto ao sepultamento, foi encontrado ritual festivo de enterramento, como restos de comida e um adorno labial feito em chifre. O achado é importante porque poucos sepultamentos foram registrados até o momento no contexto litorâneo do Rio Grande do Sul”, ressalta Fernanda.
A principal contribuição de Fernanda para o estudo foi a análise dos vestígios líticos e cerâmicos recuperados nos quatro sítios arqueológicos.
A pesquisa foi realizada em colaboração com profissionais da Arqueosul (Arqueologia e Gestão do Patrimônio Ltda.), Unesc (Universidade do Extremo Sul Catarinense), Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos ), IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) e USP (Universidade de São Paulo).