Os fluxos migratórios, ao longo da história, acompanharam a evolução da humanidade. As pessoas migram em busca de melhor qualidade de vida e condições de trabalho.
Os fluxos em geral seguiam do hemisfério Sul em direção ao Norte. No entanto, especialmente desde 2010, o Brasil e outros países do Sul também têm atraído um contingente significativo de migrantes. Diante desse contexto, compreender as motivações e a forma como eles se inserem nas regiões assume uma importância significativa.
Um estudo realizado por pesquisadores da Univates (Universidade do Vale do Taquari) se dedicou a olhar uma das faces decorrentes das migrações humanas: as práticas de interação entre os migrantes e o cenário estabelecido no local de recepção.
A pesquisa identificou práticas sociais transnacionais na vida cotidiana dos imigrantes haitianos em Lajeado, no Vale do Taquari, possibilitando a sua permanência na cidade ou então as condições para a continuidade do caminho migratório.
Os achados estão vinculados aos resultados do projeto de pesquisa “Cidades médias e os fluxos imigratórios internacionais recentes: o exemplo da cidade de Lajeado na região do Vale do Taquari/RS”.
O trabalho teve por objetivo compreender os espaços de inserção dos imigrantes haitianos na cidade de Lajeado e algumas práticas sociais que dinamizam as mobilidades transnacionais no seu cotidiano.
“Para os haitianos, a imigração é um projeto familiar, que conecta o imigrante a diferentes espaços transnacionais, mantendo os vínculos com aqueles familiares que ficaram no Haiti. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, eles acabam se inserindo nas regiões em diferentes dimensões – econômica, política, cultural, social -, e o estudo desenvolvido contribui para procurar entender um pouco mais essa realidade dos haitianos, que hoje representam o maior grupo de migrantes em Lajeado e na região do Vale do Taquari”, ressalta a docente Fernanda Cristina Wiebusch Sindelar.
Destaques do estudo
“É muito bom compreender como os migrantes influenciam e são influenciados pelo contexto econômico das regiões. A chegada dos primeiros migrantes ao Vale do Taquari esteve associada à falta de mão de obra em empresas locais, que recrutaram trabalhadores estrangeiros no Norte do país e trouxeram eles para cá, dando transporte e infraestrutura para que eles pudessem residir em um primeiro momento”, disse Fernanda.
“Atualmente, contudo, a realidade econômica é totalmente distinta do que tínhamos no início da década passada, e analisar a sua inserção no mercado de trabalho e as relações estabelecidas torna-se muito interessante”, complementou.
Os pesquisadores estudaram a inserção no mercado de trabalho e a renda. Na última década Lajeado recebeu um fluxo significativo de haitianos, os quais, em sua maioria, estão vinculados, no mercado formal de trabalho, ao setor de abate e fabricação de produtos de carne (91,3% em 2020), e muitas vezes ocupam funções que os gaúchos não querem, por serem menos qualificadas, com menor status ou menor possibilidade de ascensão profissional, e, consequentemente, menos remuneradas também.
A remessa de recursos para a diáspora haitiana é considerada um símbolo de prestígio, no entanto, na atual conjuntura, eles têm muitas dificuldades para continuar enviando os recursos para a família que permaneceu no Haiti, em decorrência da crise econômica, desvalorização do real e dificuldades com a pandemia.
Para os migrantes, a mobilidade e circularidade em busca de melhores condições de vida é uma constante. Por isso, muitos deles já migraram mais de uma vez até chegar a Lajeado e continuam pensando em migrar para novas regiões que forem mais atraentes.
Alguns inclusive já estavam na região, migraram e retornaram para cá, por terem família, amigos e conhecerem a região. A migração também não necessariamente envolve todos os membros da família.
Há casos em que o esposo reside em um local, a esposa em outro e, ainda, os filhos, se maiores, podem estar com outros parentes, mas, se isso for para melhorar a condição da família no futuro, o farão.
Em contrapartida a esse movimento migratório, também teve-se contato com pessoas que decidiram se acomodar, fixar residência aqui e empreenderam seus negócios.
Os empreendimentos desenvolvidos por imigrantes haitianos na cidade estão relacionados ao comércio, costura e confecção de roupas, minimercado, filmagens de celebrações festivas e videoclipes, dentre outros.
A religião é um dos pilares da migração haitiana. Em Lajeado, os haitianos fundaram duas igrejas evangélicas, Igreja Evangélica de Jesus Cristo de Lajeado e Igreja Haitiana Betel de Lajeado, onde as celebrações são realizadas na língua materna, o crioulo. São espaços de expressão da fé e de encontro dos migrantes.