LIBERTADORES

Crônica de Inter 1 x 2 Fluminense: os seres do planeta bola

Com o resultado, o Inter está eliminado da Libertadores, restante somente no ano se livrar das proximidades do Z-4 do Brasileirão

Imagem: Marcelo Gonçalves/FFC

Na manhã seguinte à derrota do Inter para o Atlético-MG, o ET Colorado ainda dormia sobre as almofadas agrupadas por sua amiga Éden no canto da sala. Já Éden pegou no sono no sofá, acordou em meio ao silencioso domingo e partiu com os sapatos nas mãos para não fazer ruídos para o amigo, deixando comida suficiente para ele se alimentar nos próximos dias.

O Colorado acordou e se viu sozinho novamente. Não chovia em Porto Alegre, mas a visão da janela era de um mundo distante e esvaziado, que o separava com um abismo de seus maiores desejos. Na TV, conforme os dias passavam, era como se as pretensas novidades de cada dia se mostrassem como uma repetição. O tempo passava como um disco arranhado e ele se deu conta de que veria Inter e Fluminense nessas condições.

Chega a quarta-feira (4). Após o expediente, já no fim da tarde, toca o interfone: era Éden. “O que acha de ir ver as ‘Ruas de Fogo’?”, diz ela. “Mas será que não vão me ver?”, responde. Eis que Éden tira de uma mala azul um sobretudo com golas longas, um chapéu de abas largas, e um óculos escuros. “Vai, veste, assim ninguém vai te ver”, ordena. Ele, como embarca sempre nas ideias da amiga, obedece.

Próximo das 19h, os dois andam na Padre Cacique, próximo do Beira-Rio. A via está tomada, aguardando o momento do espetáculo da torcida. Já é possível ver os primeiros sinalizadores acesos embalados pelo som de “vamo, vamo, Inteeeeer”. Na cabeça do Colorado, não sabe ele bem porquê, ecoa de fundo uma outra música – “Papai é o maiooor, papai é que é o taaaal”.

É quando o Colorado ouve um outro som, o mesmo som que ouvira dias antes, que parecia vir de lugar nenhum. “Está ouvindo?”, pergunta à amiga. “Não”, responde sem entender. Ele aguça a percepção. É um som dissonante e em ritmo sincopado. Uma espécie de melodia dodecafônica com registro ruidoso de vinil – FI FU fi FIFIUFI shhhhhhhhh FI FU FU fi Fi fU SHHHHHHHHH.

Sua reação é ir na direção do som, que algumas quadras depois, dava em um ponto meio remoto da Cidade Baixa, onde nos bares também havia colorados. Mas o som vinha de uma porta pequena, a qual para ser acessada era preciso descer escadas. Ele desce, seguido de Éden, até que vê na escrito na porta: “Boteco Laranjeiras”. A porta abre sem que ele precise bater.

Quando ele entra, para sua surpresa, e maior ainda de Éden, se depara com seres como ele. Havia grandes homens-peixe-boi e vampiras aladas e ogros rastejantes. Parecia o Siri Cascudo, do Bob Esponja, só que mais bizarro. Assim como a voz do Colorado era estranhamente aguda, a atmosfera do ambiente estava tomada pelas vozes dos frequentadores, cuja textura tinha ruídos distorcidos dos mais graves aos mais agudos. Em seguida, o Colorado olha a TV e vê que nela há pendurada uma bandeira do Fluminense e, assim como outros bares, também passa a partida da Libertadores.

Começa o jogo

Os frequentadores do Boteco Laranjeiras estavam confiantes, apesar do susto da semana passada. Já o Colorado ainda não entendia o que o chamava para ali. Na TV ele via o Inter com uma marcação disciplinada, contra o Fluminense mais contido, um Marcelo mais posicionado, e lembrava da Dama de Vermelho. A imagem lhe prostrava à mesa em que ele estava sentado. Até que aos 9, após Fábio resvalar em um escanteio, Mercado abriu o placar de cabeça. O Laranjeiras fez silêncio e o Colorado estava plácido demais para vibrar.

O primeiro tempo seguiu nessa tônica. O Fluminense tinha a bola, mas não ultrapassava a forte linha de marcação do Inter. Diniz pôs Marcelo a arma na ponta de direita, o que deu resultado não muito satisfatório naquele momento para a equipe carioca. No Laranjeiras, um homem-peixe-boi, que tocava uma bossa nova e bebia cerveja no canto do bar antes da partida, ensacou a viola. A etapa inicial teve fim com o Beira-Rio em festa e o Laranjeiras triste, como muitas vezes são tristes aqueles que se veem como estranhos.

Segundo tempo

Diniz colocou John Kennedy e Martinelli no intervalo. O que, aos poucos, ajudou a mudar a história da partida. Querendo a vitória, os meias do Fluminense vinham buscar a bola junto a Nino na defesa para armar. Marcelo continuava flutuando e explorando o lado direito. E John Kennedy se espetava na zaga colorada, causando problemas.

Do outro lado, o Inter não se ajudou. Valencia perdeu boas chances de cabeça e em contra-ataques. Para piorar, Coudet mais uma vez não foi feliz nas trocas. Pôs Bruno Henrique e De Pena nos lugares dos qualificados Maurício e Aránguiz.

Até que o Flu empatou, já aos 35. A bola saiu tocada da defesa e chegou para Cano. Ele avançou e esperou o momento certo de enfiar para Kennedy tocar por cobertura na saída de Rochet. O Beira-Rio sentiu e no Laranjeiras voltou o alarido. o coração agora não-humano do Colorado se acelerava.

E a virada do Fluminense veio. Aos 41, em outra tabela. Dentro da área foi a vez de Kennedy ajeitar de calcanhar para Cano chutar forte, sem chance para o goleiro. Até que a partida acabou e o Laranjeiras explodiu em festa. O Colorado não se segurou e entrou na balada. Música alta e coreografias coletivas que lembravam o pop dos anos 70.

Mesma década em que o fisicamente forte Inter, posteriormente papa títulos no período, eliminou no Brasileirão a “Máquina Tricolor” dos clássicos Rivelino e Caju. Quase meio século depois, o futebol conta outra história, nos permitindo acreditar na alegria sobrenatural do mundo da bola.