“… No dia seguinte a Fluminense e Inter, o colorado que havia despertado em forma de ET estava novamente nessa condição. Ele acordou no sofá, com restos de salgadinho e latas vazias de cerveja na mesinha ao lado. Aos poucos, foi retomando consciência de sua cabeça larga, de seus olhos arregalados e de seus dedos finos e longos dos pés e das mãos. A rememoração do dia anterior acontecia ao mesmo tempo em que seu coração acelerava. Também tinha pouco fôlego. “Não posso sair de casa”, pensou. Passou os dias seguintes com os restos de comida que havia no apartamento. No sábado (30), dispensa e geladeira assoviavam como uma rua abandonada de tão vazias. Precisava recorrer a alguém. Curiosamente era dia de jogo do Inter…”
Pegou o celular e, entre tantas conversas e imagens, chamou Éden no privado. Ela era fã de ficção científica e cabeça aberta, então pensou que seria possível mostrar sua condição. “Amiga, preciso que tu veja algo, vem aqui em casa, por favor”. Enquanto isso ligou a Smart TV novamente e foi assistindo ao pré-jogo ao mesmo tempo em que olhava as redes sociais. O Inter enfrentaria o Atlético-MG, no Beira-Rio, pelo Campeonato Brasileiro. Às vésperas da decisão na Libertadores, Coudet mandou reservas à partida mesmo com a proximidade do time do Z-4.
A sensação do ET colorado é de estranhamento ainda. Até que, zapeando as imagens, ele vê a foto de uma dama de vermelho e algo naquela visão acende lembranças e saudades que ele não sabia bem do que era. Segundos depois, seu olhar estuporado para o teto foi interrompido por um toque na campainha. “Deixaram Éden subir”, concluiu. Foi até o olho da porta e confirmou a suspeita. “Vou abrir, não corre”, preveniu. Lentamente, mostrou sua imagem à amiga que, ao ver aquele ser, mesmo de sobreaviso, colocou a mão na boca espantada e deu lentos passos para trás. Ação do Colorado foi tomar a amiga pela mão e trazê-la para dentro do apartamento.
Enquanto ele explicava toda a situação a Éden, que ouvia atônita, mas com um nível de compreensão de quem não duvida da existência deste tipo de ser, o narrador na TV anunciava uma boa partida dos reservas do Inter contra o Galo. A equipe gaúcha tinha a bola e a tocava rápido. Pecava apenas no terço final, como diz o jargão contemporâneo. Assim, mesmo com os suplentes e com o tom protocolar do jogo, a impressão era de vitória colorada. O que dava mais tranqüilidade para Éden e seu novo amigo ET conversarem.
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“Tá, primeira coisa. Vamos ajustar essa sala. Você está mais comprido, então precisa de mais espaço. Vamos remover alguns móveis. Não tem problema você estar como está, então é uma questão de adaptar o entorno”, propôs Éden. Juntos, eles colocaram a idéia em prática. Em seguida, ele se acomodou em um amontoado de almofadas que eles espalharam pela sala e, se sentindo confortável, pôs-se a falar, ciciando com uma voz aguda, que soava como um zunido de inseto.
“Nesses dias pós-jogo, e com a falta de uma comunicação entre ‘humanos’, em vários momentos me vi em uma espécie de deriva, como se não soubesse quem era. Ouvia uma melodia misteriosa, que parecia vir de lugar nenhum, mas ao mesmo tempo me levava para esta corrente aberta. Até que vi essa imagem. A dama de vermelho. E me vi novamente ancorado. Mas o porto já não era o mesmo. Foi como se a travessia me levasse a uma nova margem, em que estar de vermelho tivesse um novo sentido”, divagou longamente, enquanto Éden preservava o silêncio.
O vazio foi acompanhado pelo momento em que a TV flagrou um torcedor do Inter a dormir na arquibancada do Beira-Rio. Então eis que, tanto o silêncio do apartamento quanto o sono do colorado no estádio, foram interrompidos aos 27 do segundo tempo, infelizmente com gol da equipe mineira, de Hulk. Isso após o Inter não repetir a qualidade do primeiro tempo. A situação desestabilizou ainda mais os comandados de Chacho Coudet, levando ao segundo gol do Atlético, minutos depois, de Igor Gomes, lance que começou em uma lateral mal cobrada na defesa. Nesse momento, já havia titulares em campo.
O sábado terminou com o Inter ainda com 29 pontos e muito próximo do Z-4. A decisão contra o Fluminense tinha todas as atenções não só do clube, da torcida, como de nosso amigo ET, preso em seu apartamento e a seus pensamentos. Até a partida, era preciso, com ajuda de Éden, se habituar ainda mais a seu novo corpo no novo espaço. Deitado nas almofadas, ele vai ficando cansado até, após um último suspiro, ele adormece. Assim como sua fala, ele ronca com um zunido agudo, que ecoa pela noite.
