CAMPEONATO BRASILEIRO

Crônica de Grêmio 3 x 0 Cruzeiro: o funeral

A princípio um velório não combina com os alegres domingos do futebol, mas o relato se faz necessário, até como homenagem e uma despedida a Hugo, nosso herói, por sua vida dedicada ao Grêmio

Foto: artbejo/pixabay/divulgação

“…2051… Funeral de Hugo Xavier de Souza… Expirou aos 64 anos… O caixão foi colocado em ambiente fechado, devidamente climatizado, onde havia também uma smart TV passando, em slides, retratos de Hugo, da infância aos últimos dias… Como um gesto de carinho, fora colocada uma bandeira do Grêmio sobre o corpo… A funerária e o cemitério ficavam em um ponto inóspito em meio à lavoura de soja que, a essa altura, molhada por uma triste garoa, já se perdia de vista… Triste, a família se despedia… Até que entra pela porta uma figura desconhecida…”

Ela vestia preto e tinha cabelos brancos. Estava maquiada, mas somente o suficiente para esconder a tristeza do rosto que, naquele momento, era mesmo assim visível. A primeira a saltar em sua direção foi a viúva:

– Pois não?
– Boa tarde.. Eu conhecia o Hugo.. Me chamo Zara Maria – Falou, tomando coragem.
– Oh, Zara.. A Madonna, como Hugo dizia – Respondeu.
– Sim, eu mesma.
– Pois bem, me chamo Vera. Fique à vontade. O que acha de tomar um café lá em casa após o enterro?
– Eu adoraria.

Zara foi até o corpo de Hugo e chorou. Em seguida, a tarde foi dando lugar à noite, o caixão foi fechado e, por fim, posto em baixo do solo. Os 11 amigos que ali estavam partiram, restando somente a família. Juntamente de Zara eles rumaram para o casarão onde viviam.

Zara sentou-se à beira da mesinha da cozinha. Enquanto o café passava, levando seu cheiro através de sua fumaça por todo lugar, Vera mirava a lavoura e a noite pela janela. A viúva tinha um terço atado ao pulso e rezava. Seus olhos fitavam agora no céu o cruzeiro do sul. No entanto, algo em seu semblante fazia parecer que olhava como que para lugar nenhum.

*

Foto: Lucas Uebel | Grêmio FBPA

Peço perdão, amigo (a) (e) leitor (a) (e), mas a ocasião do surgimento do cruzeiro do sul no céu me faz lembrar que é possível que tenhas clicado no texto querendo saber da partida entre Grêmio e Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro. A princípio um velório não combina com os alegres domingos do futebol, mas o relato se faz necessário, até como homenagem e uma despedida a Hugo por sua vida dedicada ao tricolor gaúcho, que você pôde constatar no relato do último jogo contra o Santos.

Nesta partida, o Grêmio interrompeu uma sequência de atuações ruins. Goleou por 3 a 0, na Arena. Suárez saiu do jejum, fez o primeiro gol, deu passe para o segundo, de Carballo, mantendo o torcedor gremista em seu sonho sudamericano, vivo até sabe-se lá quando. Já próximo do final da partida, Bitello, em mais uma grande atuação com a Tricolor, encontrou Pepê livre na área para fechar o resultado.

O jogo teve também o retorno de Geromel e Kannemann, que não atuavam juntos desde outubro de 2022. Geromel, no entanto, sentiu um pouco de dores na coxa esquerda e foi substituído ainda no primeiro tempo. No fim, Luan entrou. O domingo foi de matar a saudade daquilo que todos sabem que o Grêmio foi, é e ainda pode ser.

Com o resultado, o Tricolor gaúcho iria a 36 pontos, subiria duas posições, chegando à 3ª colocação na competição nacional, com um jogo a menos que os adversários. O próximo compromisso da equipe gaúcha seria uma semana depois, contra o Cuiabá, Também na Arena.

Voltemos ao diálogo entre Vera e Zara…

*

– Do que falávamos mesmo? – Perguntou Vera, retornando o corpo à cozinha, à Zara.
– Até agora sobre nada – Respondeu.
– Pois bem, Hugo falava de você. Dos encontros que tiveram. Acho que ele sentia saudade.
– Nós não nos víamos há muito tempo. Brigamos depois de ele começar a achar que eu o traía.
– E você o fez?
– … – Zara, sentindo que Vera invadia sua privacidade, fez uma pausa.

O silêncio foi, oportunamente para a visitante, interrompido pela chegada do neto do casal. De forma inocente, ele fora buscar sua bola, que entrara pela porta entreaberta.

– Diga oi para a moça, David – Disse a avó.
– Olá!
– Oi, tudo bem? David? Esse não teve nome de jogador? – Perguntou Zara.
“David Bowie”, o Hugo era fã – Respondeu Vera.
– Sei bem.
– Ele gostava de chegar nos fins de tarde, colocar uma cadeira na varanda, acender um palhero, e ouvir música, olhando o pampa.

David pegou a bola e saiu da cozinha.

– O Hugo não sabia bem seu lugar – Afirmou Zara.
– Tudo para ele era um sonho, a felicidade estava sempre entre ir e voltar – Constatou Vera.
– Acho que esse ritual na varanda o fazia inteiro.
– Talvez.. Mas eu sentia falta que ele “estivesse aqui”, mesmo com seu corpo estando presente. No fim, todo sonho é curto, passa rápido, como a vida – Afirmou Vera, voltando o olhar vago para a janela e se agarrando mais firme ao terço – mas fico feliz de te ver aqui, tu tens algo dele.

Zara ficou desconsertada, amigo (a) (e) leitor (a) (e). Hugo fora um grande amor para ela, ao ponto de considerar indispensável a ida ao velório. Porém, o estado de Vera a fizera repensar essa atitude. Após mais alguns cafés protocalares, ela pegou sua bolsa, se despediu da viúva e rumou para a entrada. Vera observou a silhueta de Zara, agora uma sombra, se afastar no horizonte. Nos próximos anos, ficariam as cenas desta visita a preencher os sonhos e os vazios deixados por Hugo no casarão.