CAMPEONATO BRASILEIRO

Crônica de Grêmio 2 x 1 Fluminense: aos pais

O Grêmio volta ao G-4 e pensa agora na virada contra o Flamengo, na Copa do Brasil, levando o amor pela casa como gana ao Rio de Janeiro.

Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA

“Talvez.. talvez.. esse texto faça mais sentido para quem vive entre mundos.. entre imagens de planícies, coxilhas e serras, estampadas na alma como em rótulos de vinho.. mas também de telas e câmeras.. saudades, esperança, controle e fantasia..”

Neste domingo de Dia dos Pais é como se o tempo freasse. O universo das máquinas esfria junto com a queda das temperaturas no inverno pampeano. O ritmo do nosso íntimo desacelera também. Sirvo um chimarrão no interior gaúcho para ver na TV, esta janela aberta para algo longínquo que me é familiar, Grêmio e Fluminense pelo Campeonato Brasileiro. Certeza de emoção, como mostravam os últimos confrontos entre os dois times.

Estou com meu pai. Penso nessa relação ao mesmo tempo eterna e sujeita ao próprio tempo. Conforme o corpo e a cabeça vacilam, algo no campo do entendimento e da maturidade adquirem força no universo do espírito. Além disso, quantos infortúnios, quanta imaginação e nostalgia não demanda elaborar o que significa essa figura em nossa vida?

Futebol, pais e filhos. Algo quase primitivo em nossa cultura. Os dois tricolores foram à Arena para contar mais um capítulo dessa história. Dentro de campo, curiosamente quem em tese trazia a nostalgia era o Fluminense, com seu estilo mais clássico. Com o garbo, a magia, a delicadeza e a finura de P.H. Ganso. Mas também com a ousadia de Marcelo, este moleque nômade de Xerém, que ignora as ortodoxas linhas e fronteiras do futebol moderno.

Marcelo estava dando as cartas no início do jogo – Foto: Marcelo Gonçalves/Fluminense FC

Mas é confuso o universo das imagens em nosso mundo. Quem vive no pampa sabe que o Flu por aqui não é unanimidade. No sul bucólico, faz mais sucesso a aventura elétrica dos gremistas, sempre movidos pelo sonho da copa e do alento. Inversamente, o Tricolor carioca traz uma saudade metropolitana, talvez neuroticamente um pouco avessa ao transe urbano.

Nos primeiros minutos, o Fluminense foi melhor. Poderia ter aberto o placar e mais de uma oportunidade. O goleiro Gabriel Grando apareceu. Aos 18, o gol. Keno recebeu na esquerda e, após chegar na linha de fundo (breve comentário – o jogador do Fluminense fez uma coisa rara no futebol atual que é não fazer qualquer coisa em lances como esse, não se livrar da bola, coisa que tenho notado ultimamente e comentado com amigos), cruzou rasteiro e Cano abriu o placar.

Bitello empatou a partida – Foto: Lucas Ubel/Grêmio FBPA

O gol serviu para o Grêmio acordar, organizar um pouco aquela euforia típica de domingos, seja de chuva, sol, pântano ou, sei lá, neve, na Arena. Aos 24, em uma bela tabela envolvendo Villasanti, Suárez e, por fim, Bitello, este último chutou na saída de Fábio e empatou a partida. A virada veio no fim do primeiro tempo. Ferreira recebeu na área e bateu cruzado de pé direito.

No segundo tempo, o jogo equilibrou. A obrigação era do Fluminense que, como de costume, tinha muita posse de bola. O Grêmio, no entanto, tinha controle da situação. Os principais lances da etapa final tiveram envolvimento da arbitragem. Dois gols anulados com auxílio do VAR. Primeiro aos 27, quando, em uma jogada semelhante a do primeiro gol, Cano faria mais um. E, depois, aos 31, quando Martinelli contra quase ampliou para o Grêmio, o que praticamente daria números finais a partida.

Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Um momento extra da partida foi a entrada de Luan próximo do fim da partida. Chamado por Renato, como que em atitude paterna, ele entrou em campo ovacionado pela torcida

O jogo acabaria com um pedido de pênalti do Fluminense já no décimo minuto de acréscimo. Reclamação, catimba, princípio de confusão. Mas o árbitro não foi na onda de ninguém e decidiu por acabar a partida. O Grêmio volta ao G-4 e pensa agora na virada contra o Flamengo, na Copa do Brasil, levando o amor pela casa como gana ao Rio de Janeiro.

Agora, no fim do domingo, momento tradicional da saudade, vejo que planície, coxilha e serra, ou o que resta delas, ainda mostram sua força, construída também com luta, dor e sofrimento. Não vindas de canhões e guerras, mas de abraços, gestos de carinho, ensinamentos, acumulados no tempo, e que o coração jamais deixará para trás em suas andanças.

Sirvo mais um chimarrão, da água quente que, ao evaporar, se conecta com toda água do mundo e vejo que, no fim, a mãe terra, logo a vida que nela habita também, será sempre uma coisa só. Assim como o chimarrão, aqui ou lá, ainda que amargo, terá em qualquer lugar sempre o mais belo e terno sabor.