O julgamento de quatro réus pelo crime de homicídio no incêndio da Boate Kiss em Santa Maria, em janeiro de 2013, entrou neste sábado (4) no quarto dia no Tribunal do Júri de Porto Alegre.
A tragédia, que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas, começou no palco, onde se apresentava a Banda Gurizada Fandangueira, e logo se alastrou, provocando muita fumaça tóxica. Um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que pegou fogo.
Depois de uma parada no fim da manhã, o julgamento foi retomado por volta das 15h para a continuidade do depoimento do produtor de eventos Alexandre Marques. Ele foi arrolado como testemunha pela defesa de um dos sócios da boate, Elissandro Spohr, conhecido como Kiko.
Marques explicou que o principal atrativo de uma banda são os músicos. O uso de pirotecnia serve para deixar os shows mais bonitos, “um glamour”. Esse trabalho é feito por quem produzia os eventos e, na banda Multiplay essa tarefa era dele.
“É preciso fazer o reconhecimento do local, ver o pé direito. Para a chuva de prata ou o CO², não. Mas quando envolve o sputnik e outros semelhantes, sim, é preciso fazer um teste, e isso é realizado na passagem de som”, disse durante o depoimento.
O depoimento de Marques terminou por volta das 15h10 e, em seguida, começou a ser ouvido o sobrevivente do incêndio Maike Ariel dos Santos. O depoimento dele foi pedido pelo assistente de acusação.
Santo disse que, quando viu a fumaça, achou que fosse gelo seco. Ele estava na Boate Kiss com cinco amigas para comemorar o aniversário de 22 anos uma delas.
“Dentro da boate, tinha muita gente. Eu estava esmagado entre as pessoas. Não via mais elas [as amigas], só sentia as mãos”, relatou. Acabaram se separando e, quando Santos chegou perto do bar, começou a sentir a fumaça.
Ele disse que esquentou muito rápido e os olhos ardiam a ponto de não poderem se abrir. “Não havia nenhum referencial de visão. E chegou um ponto em que não enxergava mais nada”, contou.
Houve um momento em que Santos apagou. “Recobrei os sentidos lá fora, na frente da boate”, disse. Ele acredita ter sido retirado por alguém. Na saída, encontrou uma amiga que havia saído para fumar momentos antes e que, por isso, não estava lá dentro.
Santos ficou quase um mês internado no Hospital de Caridade de Santa Maria, dos quais dez dias em coma.
O depoimento de uma vítima que perdeu 15 amigos encerrou o quarto dia de julgamento. “Parecia uma cena de horror”, afirmou Cristiane dos Santos Clavé sobre o cenário que encontrou já fora da boate, enquanto procurava por um amigo de quem se perdeu lá dentro.
“Passava por cima dos corpos”, lembrou Cristiane. Quando os nomes das vítimas fatais começaram a ser divulgados, ela identificou 15 pessoas.
“Tudo 20 e poucos anos, universitários”, disse. “É por eles que eu falo. É por eles que estou aqui”, ressaltou Cristiane. Ela disse que ouviu muitas pessoas reclamando que estavam sendo barradas de sair da Kiss.
E que ninguém anunciou que se tratava de incêndio. “Eu tenho certeza de que muita gente morreu sem saber o que estava acontecendo”, disse.
O julgamento retornará neste domingo (5). Deverão ser ouvidos Thiago Mutti (testemunha de defesa do réu Mauro) e a vítima Delvani Brondani Rosso (Assistente de Acusação).