Chegamos a mais um 1º de maio em um estágio da vida social muito diferente da que o mundo se encontrava na criação da data em que se celebra a história de luta por direitos e emancipação dos trabalhadores. Foram os socialistas da Segunda Internacional, já no final do século 19, que idealizaram o dia comemorativo, mas em alusão aos Mártires de Chicago, um grupo de cinco líderes operários anarquistas, executados por participarem de protestos por redução da jornada de trabalho nos EUA.
À época, os movimentos de esquerda tinham como bandeira melhorar as condições dos trabalhadores em suas diferentes atividades, seja no campo ou na fábrica, onde o que havia de comum era uma extrema violência em nome da produtividade. Ficou famosa a expressão “8 horas de trabalho, 8 horas de descanso, 8 horas de recreação”, como uma síntese destas demandas.
Veio o século 20, vieram as guerras, e se consolidou na esquerda uma espécie de fragmentação. De um lado os comunistas, que se mantiveram fiéis às raízes do marxismo, e ao mesmo tempo esperançosos de que a União Soviética poria fim à hegemonia estadunidense. Do outro lado uma tendência social-democrata, que já existia nas décadas anteriores, mas que ganhou uma nova roupagem a partir do Maio de 68, uma série de protestos que se destacaram sobretudo na França, e que marcaram o período da contracultura, onde se buscava não somente o melhor modo de ser governado, mas onde também florescia uma intuição de que, dados os prejuízos humanos em todos os lados da guerra, havia algo no campo do desejo que buscava se livrar das correntes da sociedade.
Houve então uma certa aglutinação da pauta das mulheres, dos negros, dos homossexuais (ainda sem a sigla LGBTQIAPN+). Ou seja, uma leitura das diferentes opressões sofridas por grupos marginalizados na cultura.
Nesse momento, podem surgir diferentes historiadores cada um com sua visão. Mas percebe-se nos debates atuais que essa cisão na esquerda isolou a compreensão de realidade destes campos políticos. É como se cada um dos polos não tivesse vocação para falar das demandas do outro.
Diante disso, e tendo em vista os impasses históricos que nos colocamos, como pensar o Dia do Trabalhador no Brasil, em um momento em que a esquerda social-democrata está no poder, vindo de conquistas inegáveis no século, mas ao mesmo tempo começa a dar sinais de que não consegue dar todas as respostas à parcela da população que a colocou no comando?
Após as eleições de 2022, o discurso minoritário ganhou de vez espaço na mídia e nas instituições democráticas. Mas acontece que isso se deu sem que se rompesse com os princípios da economia capitalista, em seu estágio neoliberal. Então criou-se um desejo de vida onde nos realizamos pela nossa diferença e ao mesmo tempo almejamos metas, nos subordinamos a uma realidade de trabalho cada vez mais desregulamentada, justamente porque esse desejo se tornou a fonte de energia do capitalismo, criando uma nova vontade de servidão. A liberação se conectou com a exploração, criando uma espécie de regime despótico perfeito.
A extrema-direita realizou a última grande apropriação. Criou para si, reduzindo a diversidade ao campo da representação, um devir, um movimento altamente destrutivo contra tudo aquilo que a esquerda transformou em ideal, mas ao mesmo tempo se servindo dele. É difícil definir esse comportamento, pois ele é ao mesmo tempo desejante e paranoico. Uma obsessão pela conservação das velhas estruturas que paradoxalmente nos leva à destruição global.
Esse quadro sintetiza nossa vida atual. Estamos realizados em um mundo que nos suga. Encontramos a cura, mas uma cura de um mundo que já é remoto, e que, por isso, é mais indutor de uma nostalgia absoluta do que de um futuro. A cura por si só já não diz muita coisa. Ela é apenas o início do debate e da construção do amanhã. Então, como ser, ao mesmo tempo, diferente e ter um trabalho estável, em um mundo que, como combustível, devora toda forma de diferença em direção ao esgotamento?