Roger Keith Barrett, conhecido como “Syd Barrett”, é tido como a mente criativa que deu origem a banda britânica Pink Floyd, talvez a principal referência de rock progressivo e psicodélico da história da música pop mundial. Syd participou da efervescência cultural dos anos 60, mas, mais tarde, já nos anos 70, viria a sair de cena. Não há algo conclusivo sobre este fato, mas a tese corrente é que o músico teve problemas com drogas, no caso o LSD, associados a dificuldades da ordem da saúde mental, algo entre a esquizofrenia e a bipolaridade.
Analisando o modo como a série de acontecimentos é narrada, de gênio criativo do psicodelismo, Syd foi pouco a pouco se tornando para os companheiros de banda alguém “disfuncional”. À medida que o negócio ia crescendo, e que iam surgindo contratos com gravadoras, continuar com alguém em desordem, foi se tornando um fardo para o grupo. Mas, do ponto de vista do show business, após a saída de Syd, e com o ingresso de David Gilmour no grupo, veio a glória, que consolidou o Pink Floyd no hall da fama.
Em 1975, a banda, vivendo o sucesso do álbum “The Dark Side of the Moon” (1973), voltou ao estúdio para gravar o álbum “Wish You Were Here”. A música que dá nome ao álbum talvez seja a mais conhecida do grupo e trata de forma ambivalente tanto da história de Syd com os antigos colegas, como da posição do Pink Floyd no mercado fonográfico. Curiosamente, são assuntos correlatos.
Para uma banda como o Pink Floyd, associada ao mesmo tempo à crítica do capitalismo e ao universo da contracultura, a relação com o mainstream é complexa, pois seu estilo não é muito convencional. Assim, deixar Syd para trás, de certa forma, representa abandonar no caminho algo que é da ordem da essência. Tanto do ponto de vista afetivo como do trabalho de modo geral.
“Wish You Were Here” fala de alguém que abandonou a vida para se deixar consumir por grilhões mentais no seio da existência. Decisão que acabou por causar uma dolorosa separação, e a conclusão de que, no final das contas, as pessoas ainda compartilham de um mesmo mundo, apesar da ilusão de que é possível se apartar da realidade.
No livro “O Anti-Édipo” (1972), Deleuze e Guattari, contemporâneos do Pink Floyd, falam da questão da esquizofrenia no interior do sistema capitalista. De como o corpo do “esquizo” é este inadaptado, algo que não se engendra na produção econômica e social, e que, justamente por isso, acaba excluído. Ao mesmo tempo, a esquizofrenia, para eles, não se trata de uma alienação mental, uma fuga, mas sim desse excesso de realidade que o capitalismo não consegue dar conta.
Para os autores, então, o “esquizo” é alguém de certa forma visionário, não necessariamente no sentido profético, mas alguém extremamente sensível aos movimentos do cosmos. Assim, o delírio para eles é da ordem do revolucionário, algo com o poder de nos guiar na existência, na produção do pensamento e da arte de viver. Pensamento comum nesta época, e que entende haver uma espécie de repulsão entre aquele que delira e aquele que demanda a produção.
Na atualidade, contudo, a produção capitalista parece se guiar por outros pressupostos. Pelo contrário, as diversas manifestações da mente, como o desejo e a imaginação, fazem parte da matéria-prima do sistema. O delírio é algo que deve ser cuidadosamente gerido, de modo a contribuir com o mercado.
Trata-se de um tema ambíguo, pois ao mesmo tempo em que a tentativa de adaptação pode gerar novas formas de sofrimento, é bem verdade que, para uma parcela da população, os conhecimentos em saúde avançaram. Então, talvez hoje, se bem assistido, Syd poderia ter contribuído ainda mais com a cultura com sua genialidade. E vivido melhor, de modo geral, que é o que mais importa.