Não sei se é possível dizer que a relação do nosso tempo com a vida amorosa é de plena realização. Conheço muita gente que casou, teve filhos, ou mesmo já vive sua vida a dois de forma duradoura. Mas também não são poucos os relatos de pessoas que passaram dos 30 anos e ainda se encontram sozinhas.
No Youtube, há vários vídeos de especialistas falando sobre como a solidão é tendência, e por diversas razões. Encarar os impasses do “Outro” é uma dessas dificuldades. Estar com outra pessoa, e entender que isso muitas vezes envolve abdicar do nosso reflexo no espelho, nem sempre é fácil. Há muitos medos e incertezas, ambos somados às dificuldades concretas de um mundo como o nosso.
Mas nesses mesmos relatos nota-se a vida pedindo para ser vivida dentro de cada um. É que parece haver nessa necessidade uma vontade de cruzar fronteiras, ir em direção do que está fora de nosso círculo, e são as portas para esse lado de fora que para muitos parecem ainda fechadas. Encarar o amor muitas vezes envolve ter de lidar com a própria noção de “normalidade”.
Os debates sobre gênero e sexualidade trouxeram uma série de questionamentos para os relacionamentos amorosos e para as pessoas de modo mais individual. Para muitos, chegou-se à conclusão de que seria difícil manter uma vida a dois nos moldes antigos, seja porque a diversidade abre espaços para “novos voos”, mas mesmo também em relações cis-heterossexuais, em que os homens precisam entender as novas realidades trazidas pelo feminismo.
Esse quadro gera impasses para todos os lados. Porque há um processo em andamento quanto ao modo como as pessoas vão experimentar o amor daqui para frente. O mundo hoje em tese é mais livre, mas isso também faz com que muita gente não tenha bem certeza do que está fazendo. Nesse quadro, há quem esteja perdido, mas há também aqueles que preferem olhar para os moldes já postos na cultura, e adaptá-los aos novos tempos.
As transformações da cultura passam por uma elaboração de seu passado para a construção do futuro. Mas o jogo se dá justamente conforme os tempos trazem reflexões que põem em cheque toda estrutura do passado. Em diversos aspectos, a vida futura não tem exatamente um modelo. Não só os livros antigos não funcionam, como também toda indústria das narrativas parece ainda não dar completa sustentação para o porvir.
Mas um dos objetivos desse texto era não soar catastrófico. Aos poucos se vê que as pessoas vão entendendo esse novo mundo. Que tudo bem um tempinho a sós, e que essas outras companhias que a vida nos dá, família e amigos, são laços muito bonitos, e que nos ajudam a viver o mundo, mesmo que parte dessa vivência seja entender que muitas estruturas parecem estar ruindo.
Então se cria esse cenário em que você faz o almoço de domingo, o barzinho da sexta-feira à noite, o futebol da quarta-feira, sabendo que parte de você está em modo sobrevivência. E que é essa espécie de amor que torna isso possível.
Pois é o amor romântico que também ficará assim. Ele pode ser essa via de expiação do apocalipse, de experimentação do novo, e também de reconexão com algo que ficou perdido no meio disso tudo. Viver o amor tem tudo a ver com entender o tempo.