ARTIGO | MÚSICA E COMPORTAMENTO

Crônica da aprendizagem

A arte de viver está no compasso da existência, que pulsa entre o caos e a beleza do mundo

Obra de Rafal Olbinski
Obra de Rafal Olbinski

Haverá ar puro lá fora? Receio de ir. E se tudo isso fosse bom? Querer viver, questionando as relações internas de dominação. O riso remediador, o amor pela superação, da dor e dos desafios. Você duvida? Do horizonte que seus olhos tomam como alvo. E se fosse só ser? Há uma música nisso tudo, que torna o destino um cavalo difícil de domar. Cavalgar sem rédeas. E dançar, ainda é possível dançar?

Para alguns dançar é coisa proibida, mas o ritmo e a melodia dão beleza ao nosso caos e à nossa estranheza. A banda passa e anima a moça triste, o homem sério, o faroleiro, e todo mundo da rua, que não resiste ao compasso do tambor e à animação da melodia. Da mesma forma, a vida tem seu caminhar, suas repetições, suas intensidades. E suas danças a proporcionar expressão e a demandar condução.

Assim, há a graça de observar e aprender, com as escolhas e decisões que se toma. As surpresas e revelações que o acaso traz. As transformações do mundo, mas também aquilo que se mantém exatamente igual, esperando você olhar, para rir de você, esperando que você aprenda a rir junto. Porque a monstruosidade começa quando a música para. Uma vida guiada pela música da existência está acima de si.

Forte quem tenta humildemente vivê-la. E não se esconde da dor, pois na música da existência até a dor rende dança. Cantamos para o luar, pois gostamos das luzes amarelas do anoitecer. E, com isso, o sol ameno, outonal ou primaveril se torna mais encantador. Aprende-se a ver as coisas pelo que elas são e pela intensidade e vibração que elas irradiam.

Obra de Rafal Olbinski

Por quanto tempo nos impedimos de viver? A vigilância obsessiva que se exerce sobre si e que impede as pessoas de ser quem são. A vergonha, a culpa, o medo. Demora-se para ver que o que se pensa estar fora na verdade mora dentro. Eis um tema central de nossa época: a presença interna do inimigo que se quer manter fora do grupo. Até que ponto os muros funcionam? E do que eles efetivamente nos separam?

No descampado do mundo, poucos suportam esse silêncio. Que joga na cara a angústia desse elefante na sala, que aterroriza ao mesmo tempo em que é fonte de vida. “Quem travou as máquinas que faziam esquecer-me disso tudo?”. “Espera, eu tenho uma justificativa, um discurso”. Psiu, silêncio. Essa brisa, esse céu, as estrelas da noite, a liberdade de fazer parte e não conseguir compreender isso tudo.

De tanto não entender, aprendeu. Aprendeu a amar esse mundo que existe antes e depois dos sentidos. Esse mundo que é música, e que não pode parar.