ARTIGO | MEIO AMBIENTE

Enchentes no RS e a força da Terra

Novo episódio ambiental mostra necessidade de maiores esforços do poder público, mas também de uma nova atitude por parte da sociedade

Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo (1943) - de Salvador Dalí
Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo (1943) - de Salvador Dalí

Pouco mais de um ano depois das enchentes de maio de 2024, o Rio Grande do Sul passou por mais um ciclo de temporais, que causou inundação dos principais rios do estado, afetando até o momento 146 municípios. Conforme dados da manhã desta terça-feira (24), 1.016 pessoas estavam em abrigos e outras 7.098 estavam desalojadas. Além disso, a passagem das tempestades resultou em 4 mortes, sendo que uma pessoa ainda está desaparecida.

Embora não se possa dizer que os eventos de 2025 tenham a mesma magnitude das enchentes do ano passado, chamou atenção a pouca evolução no RS, no que diz respeito à preparação para lidar com esse tipo de evento. Atitude que não é uma particularidade do Estado, mas reflete a lógica de como as forças políticas têm lidado com as respostas da terra à intensificação da dinâmica da produção econômica mundial.

A preferência pelos setores econômicos dominantes garante vantagens políticas, mas que não deixam de ter um caráter ilusório. Isso porque os estudos apontam uma máxima cada vez menos abstrata de que “A força da terra é mais forte que a força dos homens”. Conforme a ONU (Organização das Nações Unidas), desde 1800, atividades humanas, principalmente fruto da queima de combustíveis fósseis, têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas. O que mostra, dessa forma, a capacidade da Terra reagir a essas ações.

Assim, o acordo entre as principais potências mundiais dá conta de que não aumentar a temperatura global em mais 1,5°C manteria o clima habitável no planeta. Contudo, estudos apontam que, no atual ritmo, até o final do século, a temperatura global pode aumentar em até 3,2°C. As implicações são graves.

No início do ano, o Portal Metrópoles publicou uma reportagem a partir de um relatório divulgado na revista Nature Reviews Earth and Environment, dando conta de que 35% da Terra deve ficar inabitável para pessoas acima dos 60 anos, quando a temperatura global chegar a 2°C acima dos níveis pré-industriais. Hoje, esse indicador é de 1,5°C. No Brasil, quase toda a Região Norte e o Centro-Oeste devem sentir os impactos.

O caso do Rio Grande do Sul é um pouco diferente. Nos últimos anos o estado passa por situações extremas. Secas intensas e forte calor no verão, além de episódios de chuvas bastante fortes. Em uma matéria de Madu Brito, do G1, no que diz respeito às tempestades, vê-se que o território gaúcho apresenta um novo padrão climático, onde convivem a umidade vinda da Amazônia e o frio intenso da Antártica, processo que se intensifica conforme o planeta aquece e a circulação atmosférica se modifica.

Ou seja, ao que tudo indica, se nada mudar, ainda que não tenhamos a repetição das enchentes de 2024, acontecimentos como o deste mês de junho, tendem a se repetir no futuro próximo no RS. O que faz com que a questão climática seja a principal pauta das próximas eleições, tanto em âmbito municipal como estadual. Obviamente o Rio Grande do Sul não vai frear o aquecimento global sozinho, mas, conforme as administrações passem, não haverá como dizer que os governos estavam desavisados. Mas isso demandará também um esforço da sociedade como um todo.

No mundo atual, muitos estão miraculosamente engajados não só em um modo de produção econômico, mas também em um modo de viver. E certamente isso está nos debates sobre o futuro: o quão corajoso é dizer que se pode viver de outra forma? Não apenas levando uma vida franciscana, em que abrimos mão dos prazeres por um ideal maior, mas sim que existe uma vida feliz, plena e realizada para fora dessa compulsão pelo consumo em que vivemos.

A preparação para um novo mundo pode ser dolorosa. Mas muitos aprendizados são difíceis. Podemos, contudo, descobrir a brisa que habita nosso peito, e que no espaço vazio pode passar um vento brando acalentador. É possível entender que muitas das nossas dificuldades dizem respeito às nossas limitações e inseguranças.

A Terra não é um empecilho para o exercício da força. É o contrário, é a terra e o cosmos que, dia após dia, exercem seu poder, sem tomar conhecimento dos comportamentos pretensiosos dos donos do poder. Assim, aprender a amar a Terra tem relação com a experiência de aprender a viver a si. As paixões se desenvolvem em conexão com o natural, e não separadas dele.