O governo do estado e a prefeitura do Rio de Janeiro planejam submeter pessoas em situação de rua a avaliações de profissionais de saúde para identificar possíveis casos de internação compulsória. Tanto o prefeito, Marcelo Crivella, quanto o governador, Wilson Witzel, deram hoje (31) declarações nesse sentido, ponderando que o modo como isso será feito ainda está em avaliação.
A possibilidade de internar compulsoriamente dependentes químicos em situação de rua foi defendida pelo governador Wilson Witzel, depois que duas pessoas foram assassinadas a facadas por um morador de rua na zona sul do Rio de Janeiro. Witzel disse hoje (31) que a Polícia Militar já está revistando essas pessoas em busca de objetos perfurantes e cortantes. Também já estão sob avaliação os possíveis locais onde haverá a retirada das pessoas das ruas e quais serviços de saúde poderão fazer a avaliação de suas condições de autodeterminação e as possibilidades de internação.
“É uma análise dos profissionais de saúde, que ao se deparar com essas pessoas, já conseguem identificar a capacidade de autodeterminação ou não”, disse Witzel, que defendeu convênios com a prefeitura e o governo federal. “Vamos definir os estabelecimentos que vão receber. Temos uma certa precariedade nisso”.
Prefeito
O prefeito do Rio de Janeiro, por sua vez, disse que está em estudo a criação de centros com médicos e assistentes sociais que farão a identificação de possíveis casos de internação compulsória.
“Essa identificação será compulsória. Se dali parte para uma internação ou não, vai depender do parecer do médico”, disse o prefeito, acrescentando que não sabe ainda quantos centros de identificação serão organizados nem onde ficarão. “Tem que ter o diagnóstico de um médico. Um policial ou um guarda municipal não podem fazer internação involuntária”.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estima que cerca de 15 mil pessoas vivam nas ruas da capital fluminense atualmente. E os abrigos municipais oferecem menos de 3 mil vagas em locais com problemas estruturais e péssimas condições de atendimento, segundo a defensoria.
Crivella também comentou a situação dos abrigos da prefeitura destinados à população em situação de rua e, sem mais detalhes, disse ter a intenção de melhorá-los. “Queremos melhorar os espaços e, inclusive, fazer convênios com instituições que possam oferecer vagas de hotéis. Estamos tentando fazer [convênios] também com as igrejas. Elas têm uma capilaridade imensa na cidade. Evangélicas, espíritas, católicas. Se cada uma delas puder abrigar dois ou três, nós pagaríamos e seria ótimo”.
Medida extrema
A responsável pelo atendimento de pessoas em situação de rua no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Carla Beatriz Nunes Maia, argumenta que fortalecimento de políticas de assistência à população em situação de rua e da rede de saúde mental podem tornar raros os casos em que medidas extremas como a internação compulsória chegam a ser considerados.
“A internação compulsória é uma medida extrema. É prevista na legislação, mas há inúmeros passos que têm que ser dados até se decidir por uma internação compulsória”, disse a defensora pública.
“Existem várias medidas e várias políticas que podem ser implantadas e ampliadas para que, em larga escala, a gente possa vislumbrar pouquíssimas possibilidades de internação compulsória”.
Para a defensora pública, a discussão passa antes por uma avaliação das condições dos abrigos disponíveis para essa população e da ampliação da rede de centros de atenção psicossocial (Caps). O centro do Rio, por exemplo, onde há centenas de pessoas em situação de rua, não possui um desses centros.
“Se houver condições dignas de acolhimento, não precisará ser compulsório. Ninguém está na rua porque quer”, argumenta a defensora. “Esses índices altíssimos de comprometimento psiquiátrico se devem à própria condição de rua. A rua enlouquece, e enlouquece rápido. O ser humano não nasceu para viver ao relento e para viver à própria sorte como eles vivem”.
Comitê
A defensoria defende ainda a instalação do comitê gestor intersetorial de acompanhamento e monitoramento da população em situação de rua, envolvendo órgãos de diferentes áreas e entidades da sociedade civil. “Seria um passo gigantesco. A população de rua não é um tema que você vai solucionar só com assistência”.
Outra medida defendida por ela é a utilização de prédios públicos desocupados como abrigos, em caráter emergencial. Nessa lista, ela inclui principalmente os da Fundação Leão XIII, que poderiam ser reativados após reformas.
A defensora pública se reuniu na tarde de hoje com a secretária estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Fabiana Bentes, e com o assessor do governador Arnaldo Goldemberg.
“A secretária deixou claro que o governador tem conhecimento de que essa é uma pauta de saúde mental e não de segurança pública”, disse Carla. “Somos otimistas em relação ao que pode ser construído a partir de agora”.