O geólogo João Vagner Alencar Castro, professor do Museu Nacional, viu o momento em que seu laboratório explodiu durante o incêndio que destruiu a sede da instituição no último domingo (2). As chamas consumiram 17 anos de trabalho do pesquisador que, agora, vai ter de recomeçar do zero. Apesar do longo caminho para reconstruir o que perdeu, ele garante que a pesquisa não vai parar.
“A gente tem que se reinventar. As verbas começaram a decair dos últimos quatro anos, mas, mesmo assim, com a nossa garra, a gente dava jeito. A gente usava os nossos recursos para continuar as pesquisas. Elas não pararam e não vão parar”, disse o geólogo. “Vamos começar tudo do zero, infelizmente, mas a gente não vai desistir.”
As perdas do setor de geologia são enormes, afirma Castro. Entre as preciosidades que o museu guardava estava uma amostra de cinco litros da primeira reserva de petróleo encontrada no Brasil, na década de 1930. Sobre o poço de Lobato, na Bahia, foi construída a primeira refinaria do país.
Outro item importante do acervo era o fóssil de parte de uma baleia encontrada 15 quilômetros terra adentro no estado do Rio de Janeiro, comprovando a variação do nível do mar na costa do Brasil. Ao ser identificado, o osso serviu para embasar pesquisas que traçaram projeções para o nível do mar. A biblioteca do setor foi outra perda.
“Perdemos todos os nossos livros e exemplares históricos. A área de sedimentologia está de luto”.
Acervo indígena
Antropólogo aposentado do Museu Nacional e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Otávio Velho desenvolveu toda a sua vida profissional na instituição. Quando se aposentou, levou os arquivos para casa, mas grande parte das pesquisas que orientou e acompanhou não tiveram a mesma sorte.
Ele destaca as perdas do acervo indígena, que preservava a cultura e a memória de comunidades que já foram extintas. “A perda do material indígena é uma perda para os grupos indígenas que estão cada vez mais conscientes do seu papel e da sua posição da sociedade e da retomada das suas tradições. É uma perda geral da sociedade e dos vários grupos que a compõem”.
Para Otávio Velho, ainda é cedo para dizer qualquer coisa sobre o futuro dos colegas que dependiam do material para pesquisas. “Eu acho que todo mundo vai ter que se reinventar”, acredita. “São verdadeiras perdas de vida. Pessoas dedicaram a vida toda a essas pesquisas e viram tudo desaparecer. E no caso dos pesquisadores do museu, é o seu próprio material de pesquisa que terá desparecido também. É uma perda de muitas vidas”.
A pesquisa de Marilia Facó sobre a língua indígena tikuna também precisará ser refeita. A linguista conta que gravações com pessoas mais velhas não poderão ser refeitas, mas, em seu caso, ainda é possível buscar falantes do idioma, um dos mais falados da Amazônia.
“Eu não tenho mais a idade que eu tinha [quando comecei a pesquisa]. Não tenho mais as mesmas condições físicas. A gente não tem mais o mesmo gás da juventude, mas tem a vontade política. A gente tem vários alunos que querem colaborar, vários alunos indígenas”, destacou. “A instituição não acabou. É claro que há o irrecuperável, mas a gente está sempre tentando recuperar daqui pra frente. Muitos povos indígenas estão vivos, as línguas estão vivas. A questão é receber os recursos necessários para refazer”.
Fósseis
A paleontóloga Luciana Carvalho não vê perspectiva para as pesquisas de seu departamento se todo o material tiver sido destruído. Ela e os colegas têm a esperança de que armários compactadores tenham preservado parte do acervo, resistindo ao fogo e ao desmoronamento do prédio.
“Se esse material se perder, a pessoa vai ter que trocar o tema das suas dissertações, das suas teses, das suas pesquisas. Não tem outra coisa a se fazer”.
Ela conta que a paleontologia do Museu Nacional guardava um acervo relevante para toda a comunidade científica internacional, com coleções que contam não apenas a história dos fósseis, mas também a história da busca por conhecimento no Brasil. “O que está sendo perdido aqui são coleções formadas desde os séculos XVIII e XIX”.