Destaque da Mesa Barco Com Asas, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a portuguesa Maria Teresa Horta faz questão de se declarar poetisa, demarcando o feminino da palavra poeta. Perseguida por escrever textos eróticos no período em que Portugal vivia um governo fascista, ela contou com orgulho ao público da Flip que enfrentou o poder político de seu tempo em nome da liberdade.
“Eu sou uma mulher da liberdade. Eu escrevo porque quero a liberdade”, disse Maria Teresa, que publicou o livro Novas Cartas Portuguesas com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, sendo chamadas de as Três Marias. A obra foi publicada três anos antes da chamada Revolução dos Cravos e denunciou para o mundo o autoritarismo vigente em Portugal. A Revolução dos Cravos foi o movimento ocorrido em 1974 que derrubou o regime salazarista em Portugal.
“Houve uma solidariedade muito grande, e a solidariedade faz parte do feminismo”, disse a escritora, aclamada pelo público que acompanhava sua mesa, ao proclamar: “Feminismo é a solidariedade entre mulheres.”
Maria Teresa arrancou risadas da plateia quando contou que, ainda criança, dizia que era muda, sendo logo corrigida por seu pai: “Se fosse muda, ela não conseguiria dizer que é muda”, brincava ele.
“Eu era muda porque faltava-me aprender a escrita. Não era só saber ler, era aprender a escrever”, disse ela. “Eu sufoco se não escrevo. Escrevo por paixão. Sou apaixonada pela poesia”, afirmou Maria Teresa, que participou da Flip apenas por vídeo. A curadora da Flip, Joselia Aguiar, explicou que a poetisa não viaja de avião, e não foi possível encontrar um navio que a transportasse para o Brasil nessa época do ano.
Dialogaram com Maria Teresa as poetisas brasileiras Júlia de Carvalho Hansen e Laura Erber, que são ávidas leitoras da poesia portuguesa e se consideram influenciadas por autores do outro lado do Atlântico.
Júlia de Carvalho Hansen morou seis anos em Portugal, para onde se mudou para o país europeu em busca de uma redescoberta de sua própria língua. “Imediatamente percebi que havia na minha convivência com a língua em Portugal a possibilidade de reinventar a escrita em muitos caminhos”, disse ela, que além de escritora e editora é também astróloga.
“Meu poema funciona como uma espécie de oráculo. Eu escrevo, e ele me mostra uma realidade ou uma diferença, uma ausência que está em mim, mas não era visível”, enfatizou Júlia.
Ela defende a astrologia como uma forma de conhecimento sensível e livre, que resistiu tanto à época em que a religião a tachava de bruxaria quanto aos ataques da ciência. Para ela, a astrologia dá a seu trabalho a noção de que o tempo é cíclico, e a clareza de entender a sincronicidade entre as coisas. “Astrologia são pessoas interpretando ligações sensíveis entre os acontecimentos e o céu.”
Outro universo
Laura Erber contou que seu interesse pela literatura portuguesa ganhou força quando ela cursou letras. Hoje professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), ela concorda que o português de Portugal pode abrir todo um horizonte para autores e leitores brasileiros. “Você descobre uma outra língua que é a sua, mas você não domina. Isso abre um outro universo de literatura e de língua”.
Para a autora, escrever é também metabolizar sua própria experiência de leitura, pondo para fora as sensações e estranhamentos causados por ela.
Ao responder como decidiu se tornar poeta, Laura explicou que o poeta é alguém que está permanentemente se tornando, pois o poema se encerra, e o fazer poético precisa recomeçar para que o poeta não deixe de ser.
“A leitura é a experiência mais radical e mais revolucionária subjetivamente. Ela é básica e é extrema”, disse ela, em outro momento.
*O repórter viajou a convite da EDP, empresa patrocinadora da Flip 2018