Cotidiano

Seminário debate desafios para Justiça ter mais igualdade de gênero

Começou hoje (6), no Rio de Janeiro, o Seminário Internacional Gênero e Direito, organizado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) com apoio do escritório ONU Mulheres. Durante dois dias, serão debatidos os desafios para a de...

Começou hoje (6), no Rio de Janeiro, o Seminário Internacional Gênero e Direito, organizado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) com apoio do escritório ONU Mulheres. Durante dois dias, serão debatidos os desafios para a despatriarcalização do sistema de Justiça na América Latina.

Na mesa de abertura, o diretor-geral da Emerj, desembargador Ricardo Rodrigues Cardoso, afirmou que o sistema patriarcal é cruel, ao privilegiar um único homem em detrimento dos demais componentes do núcleo familiar.

“Ainda hoje, esse sistema vigora em muitos países, em alguns mais rigidamente, como os do oriente. Em outros, como na América Latina, em escala mais suave, comparativamente àqueles. Apesar de todo o avanço e modernidade que se reflete na sociedade, lastimavelmente ainda há um pensar, se não explícito, de fato acobertado e por vezes envergonhado, mas que põe um homem numa posição prevalente à mulher”.

Ele assinou um acordo para que a Escola de Magistratura do Distrito Federal promova um curso de pós-graduação latu sensu em gênero e direito, da Emerj, que já está na segunda turma.

A presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Emerj, Adriana Ramos de Melo, destacou que este ano a instituição criou o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (Nupegre), marcando os 30 anos da instituição, para fazer pesquisas aprofundadas sobre questões de gênero no judiciário com viés crítico.

De acordo com ela, o Brasil ocupa a quinta posição em feminicídio no mundo, e que muitas decisões judiciais reforçam os estereótipos de gênero. Com isso, o objetivo do evento é trocar experiências com a América Latina sobre o tema.

“A gente entende que é uma temática que precisa ser mais difundida no Poder Judiciário. O índice de desigualdade de gênero e a questão racial ainda são muito presentes no Brasil. Com esse evento, a gente espera trazer à tona essa discussão para trazer para o Poder Judiciário uma visão diferenciada, visando a igualde de gênero”.

América Latina

Na palestra inaugural do evento, a advogada Gladys Acosta Vargas, integrante do Comitê sobre Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, da ONU, apresentou um histórico da desigualdade de gênero na América Latina, desde as mulheres perseguidas e torturadas sob a acusação de bruxaria pelos espanhóis, por manterem práticas culturais e medicinais indígenas, a violência institucionalizada a que elas foram submetidas com o matrimônio como forma de controle social e a discriminação pelo poder judiciário com a criação colonial da figura da “mulher honesta”.

Ela lembrou que a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw), de 1979, não foi considerada inicialmente como uma declaração relacionada aos direitos humanos, o que só veio a ocorrer 25 anos depois, na Convenção de Belém do Pará, em 1994. A advogada disse que, agora, são necessários três encaminhamentos para seguir em direção à igualdade de gênero, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU para o ano de 2030.

“É muito importante a existência de uma norma internacional, que é obrigatória para os países signatários. Esta convenção [Cedaw] é um compromisso estatal, então a primeira questão é que esses compromissos internacionais que são padrão têm que ser incorporados às legislações nacionais e à prática da Justiça. A própria Justiça precisa mudar em sua organicidade, não apenas a aplicação das normas, mas mudar a maneira como se aplica a Justiça, porque atualmente ela é discriminatória”.

Para Gladys, a Justiça deixa de fora “toda gente que não têm poder nem dinheiro”, como a maioria das mulheres e das meninas.

Para a advogada, é preciso ampliar o conceito de responsabilidade estatal. “São os Estados que ratificam essas convenções e são os Estados os primeiros responsáveis internacionalmente. Então, esta responsabilidade é efetiva quando o Estado apresenta os informes periódicos às instâncias internacionais, mas permanecem sem modificações que favoreçam as mulheres e as meninas”.

Gladys defendeu ainda a necessidade de se escutar as vozes das mulheres e crianças dentro e fora do país. “Dentro porque têm que escutá-las em toda a sua diversidade, em seus idiomas, suas maneiras de falar, na escola, no mundo da política, em todo lugar. A participação da mulher na política é fundamental. Mas sem violência. Observamos que elas participam, mas quando saem para os espaços públicos, se aplica a elas formas violentas de repressão e essas vozes são caladas”.

Ela disse que, como região, a América Latina avançou muito, com marcos legais interessantes, mas que ainda tem muita dificuldade por ser o continente mais desigual do mundo e onde também há mais feminicídios.

Educação para diversidade

A professora Silvia Pimentel, da PUC de São Paulo, coordenadora do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, ressaltou que o direito e as convenções internacionais recomendam o ensino da perspectiva de gênero nos currículos escolares, como parte do enfrentamento à violência contra a mulher.

“O projeto Escola sem Partido diz que o conteúdo escolar deva ser neutro, sem nenhum conteúdo político, religioso ou ideológico. É possível isso? A escola é um ambiente privilegiado para que os estudantes aprendam conceitos que os auxiliarão a entender o mundo. Uma proposta de discussão de gênero nas escolas ambiciona incluir o gênero como uma ferramenta que nos ajuda a entender o mundo e tomar uma posição a respeito das diversas violências que produzimos, reproduzimos e sofremos. Visa a inclusão de todas e de todos”.

Ela lembrou também que a igualdade entre homens e mulheres e a inclusão de todos está prevista na Constituição Federal de 1988.