INVESTIGAÇÃO

Polícia Civil afirma que caso do porteiro negro agredido em Porto Alegre teve motivação racista

Segundo a Polícia Civil, nos próximos dias será concluído o inquérito policial que apura os crimes de lesão corporal, ameaça e injúria racial

Delegados Christian Nedel, do DPGV (Diretor do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis) e Tatiana Bastos, da DPCI  (Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância), atenderam a imprensa – Foto: Polícia Civil/Divulgação

A Polícia Civil do RS prestou coletiva, na manhã desta sexta-feira (1º), a respeito do caso do porteiro Rodinei Antônio Xavier, de 53 anos, um homem negro agredido em um condomínio no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, na semana passada.

A Delegada Titular da DPCI  (Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância), Tatiana Bastos que já foram realizadas “oitivas, ouvindo o porteiro e testemunhas, que aparecem no vídeo das câmeras do condomínio. Nesta manhã (1º), o suspeito foi ouvido. Nos próximos dias estaremos concluindo este inquérito policial que apura os crimes de lesão corporal, ameaça e injúria racial”.

Uma quarta testemunha está sendo identificada e prestará esclarecimentos à autoridade policial nos próximos dias. Também as câmeras de segurança do prédio, onde os fatos ocorreram, foram devidamente entregues pelo condomínio e se encontram em análise.

Motivação racista

Na coletiva, a Delegada Tatiana Bastos explicou que, independente da injúria racial, o fato como um todo teve conotação racista. A investigação apontou que suspeito da agressão se comportou a todo o momento com ar de superioridade em relação à vítima, chegando a exigir sua demissão e exigindo que o porteiro o chamasse de “senhor”. Há ainda relato de um caso de injúria racial cometido pelo mesmo morador contra Rodinei em 2021, só que não registrado.

Assim, independentemente da injúria racial, desta vez proferida por telefone, o contexto todo indica motivação racista. Isso porque o racismo nem sempre é um crime explícito.

O caso conforme a investigação

Imagem: Câmeras de segurança/ Reprodução

Também foi descrita a cronologia dos fatos, conforme a apuração feita até o momento. Conforme a Polícia Civil, no dia 21 de fevereiro de 2024, aproximadamente às 21h45min, a vítima foi agredida pelo suspeito, de 35 anos, por não permitir a subida de um motoboy, pois ele não possuía o endereço correto para a entrega do lanche.

Em ligação pelo telefone, continua a investigação, ao informar que o entregador havia ido embora sem entregar o lanche, a vítima passou a ser injuriada racialmente pelo suspeito. Momentos depois, o suspeito foi à procura do síndico e ambos se dirigiram à portaria.

Nesse momento, as ofensas e ameaças continuaram, até que o suspeito passou a agredir fisicamente a vítima, que estava sentada, com socos no rosto e, principalmente, na região dos olhos. Após a chegada da Brigada Militar e o acionamento do SAMU, a vítima foi levada para atendimento médico no HPS (Hospital de Pronto-Socorro) e posterior exame de lesões corporais no DML. Já o suspeito evadiu-se do local sem ter sido devidamente identificado pela Brigada Militar.

No dia 24 de fevereiro de 2024, foi registrada uma ocorrência policial dando conta do crime de injúrias raciais, na 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento.  Em seguida, o caso foi encaminhado à  DPCI.

Tipificação do crime de racismo

A Lei que tipifica o crime de racismo no Brasil é a de nº 7.716, de 1989. Segundo o Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS, Jorge Terra, ela é uma ratificação da Lei Afonso Arinos, de 1951. À época, Arinos era deputado federal e propôs o projeto após o caso de uma denúncia feita pela dançarina, coreógrafa, antropóloga e ativista estadunidense Katherine Dunham relatou que o gerente de um Hotel vizinho ao Teatro Municipal de São Paulo, onde ela se apresentaria, se recusou a hospedá-la por ela ser uma “mulher de cor”. O caso gerou ampla repercussão e culminou na aprovação da lei.

Talvez por isso, ao lermos o texto da lei, ele se destina mais às discriminações sofridas pela população negra no acesso a espaços, do que propriamente a situações de violência física específicas. Conforme Terra, além disso, as especificações dos lugares deixaram espaços para outras situações em que havia potencialmente racismo, mas era difícil enquadrar e gerar provas.

A situação instituída em 1989 não encerrou a questão. Isso porque havia o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, quando o delito era direcionado a uma coletividade, e o de Injúria Racial, contido no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. No entanto, Terra relata que, na prática, além da citada dificuldade de enquadramento, havia a própria indefinição de quando terminava um crime e começava outro.

Afora a tipificação, outro problema diz respeito às penas. Em ambos os crimes a pena estabelecida era de 1 a 3 anos de prisão mais multa. Isso fez com que as decisões determinassem em sua maioria ofertas de transação, suspensão do processo e prestação de serviços à comunidade e doação de cestas básicas por parte dos condenados.

Para tentar dar conta destas contradições, em 2023, foi sancionada a Lei 14.532/2023. Ela equipara a Injúria Racial ao crime de Racismo e estabelece pena de 2 a 5 anos de prisão, mais multa, para quem cometer este crime. A pena pode ainda ser aumentada caso haja mais pessoas envolvidas na prática delituosa.

Terra destaca, ainda, que mesmo a lei não exemplificando todas as manifestações destes crimes, tanto advogados de defesa quanto juízes têm liberdade de interpretação e podem encarar os fatos descritos como casos de racismo ou injúria.