Cotidiano

PF: ainda não dá para saber se há culpado por fogo no Museu Nacional

A Polícia Federal apresentou hoje (4) o laudo pericial do incêndio que devastou o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro do ano passado. 

Segundo o delegado Paulo Teles, que coordenou a equipe, ainda não é possível afirmar se há um culpado pelo incêndio, seja por intenção ou negligência. “Essa pergunta a gente não vai responder hoje, porque ainda tem diligências em andamento e a gente está fazendo um trabalho em parceria com o Tribunal de Contas da União e eu acredito que a gente vá chegar a um bom termo ao final da investigação”.

O delegado disse que a Polícia Federal iniciou o trabalho assim que foi acionada e esteve no local durante o incêndio, porém a perícia só pôde ser iniciada depois que o palácio histórico foi considerado seguro.

Teles relatou quatro complicadores para o trabalho: o tamanho do prédio, que soma 13 mil metros quadrados de construção, considerando os três pavimentos; o material usado em boa parte da construção, madeira, que foi totalmente consumido pelo fogo, resultando no desabamento e no acúmulo de mais de um metro de resíduos no primeiro andar; o número de pessoas que circula pelo local, com visitantes, pesquisadores e estudantes, o que dificultou o levantamento de quem estava no local no dia da tragédia; e a parte restrita do museu, que não é aberta ao público e não tem muitos registros, que corresponde a dois terços da área.

Peritos de diversas partes do país que trabalharam na elaboração do parecer para determinar as causas do incêndio que atingiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Peritos de diversas partes do país que trabalharam na elaboração do parecer para determinar as causas do incêndio que atingiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro. – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Imagens

A equipe que trabalhou no Museu Nacional foi composta por três peritos especialista em incêndio, dois em local de crime e dois de audiovisual e fotogrametria, além de um especialista em química forense, um físico especialista em microscopia e outros agentes da polícia federal. O perito criminal federal José Rocha, especialista em audiovisual e eletrônicos e fotogrametria forense, explicou que o primeiro passo foi recompor em imagens o museu, trabalho iniciado antes mesmo de se poder entrar no prédio.

Rocha disse que, com essas fotos, foi possível montar uma ortofoto, que costura mais de mil fotos aéreas em uma maquete virtual em 3D com precisão de centímetros. Posteriormente, com o uso de scanner laser 3D, foi feita uma maquete virtual com precisão de milímetros. Com as 20 câmeras do museu que estavam funcionando, foi possível identificar a dinâmica da fumaça e das chamas.

Eletricidade

Foi identificado como região de início do incêndio a área junto ao ar condicionado C e à caixa de som B, próxima ao palco do auditório. Segundo o perito especialista em eletricidade Marco Antonio Zata, foi feito todo o levantamento da instalação elétrica do museu. O quadro central de distribuição de energia ficava atrás do auditório e foi completamente destruído no incêndio.

Após a análise do quadro central, do projetor, do mecanismo da tela de projeção e das caixas de som não terem apresentado nenhum indício de falha, os peritos se concentram no sistema de ar-condicionado, que tinha três máquinas split, modelo em que uma parte é instalada do lado de fora do prédio, chamada de condensadora, e outra fica na parte interna, a evaporadora. As condensadoras externas ficaram preservadas.

“Nós identificamos o rompimento de um fio no circuito de comando que ligava a unidade externa C à parte interna. Esse rompimento é típico de um evento de sobrecorrente, quando tem uma corrente maior do que o cabo pode aguentar, sem que tenha ocorrido o desarme da proteção, que é o disjuntor do circuito. Ou seja, a corrente ficou muito alta, sustentou isso por muito tempo até o rompimento desse fio. Identificamos também o escurecimento de um dos cabos e a aderência dos fios no mesmo circuito, corroborando a ideia de que houve uma sobrecorrente”.

Ao contrário do que determina a especificação do fabricante, que deveria ter um disjuntor para cada ar-condicionado, os três estavam ligados em um só com sistema trifásico. Também foi identificada a falta de aterramento nas unidades internas, mecanismo de proteção para quem opera o sistema e atua no escoamento de correntes de falha.

A perícia concluiu que o sistema de combate a incêndio estava funcionando, com extintores dentro do prazo de validade e um hidrante em frente ao prédio. Porém, apenas extintores não fariam frente a um incêndio da proporção do ocorrido e faltavam equipamentos como hidrantes de parede com mangueiras, alarme de incêndio em funcionamento, o sistema de controle dos detectores de fumaça não estava ativo, não havia sprinklers no teto, que auxiliam no combate às chamas, bem como portas corta-fogo, o que facilitou a propagação das chamas dentro do palácio. O museu também não tinha as sinalizações previstas para indicar a saída das pessoas em caso de emergência.

Peritos de diversas partes do país que trabalharam na elaboração do parecer para determinar as causas do incêndio que atingiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Primeira presença da fumaça identificada pelas imagens foi na escada de madeira do primeiro piso do Museu Nacional do Rio de Janeiro. – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fogo

Especialista em incêndio, o perito Carlos Alberto Trindade mostrou que a primeira presença da fumaça identificada pelas imagens foi na escada de madeira do primeiro piso, às 19h13, indicando que o fogo se propagou deste local. A câmera da sala do Maxakalisaurus topai, a sala do dinossauro no segundo piso, mostra indício de fumaça às 19h14 e logo depois há o registro de um clarão externo, ou seja, chamas do lado de fora da sala. Uma câmera da prefeitura mostra a presença da fumaça sobre o prédio às 19h14m40s e fotos do incêndio mostram o clarão das chamas apenas no primeiro piso.

“O hall de entrada do museu, com o meteorito Bendegó, teve uma degradação muito grande na parte de cima, mas há uma estrutura de madeira na frente, que não pegou fogo. Isso indica que aqui não teve incêndio, a degradação é fruto da fumaça, que conduz calor”, disse Trindade.

O perito explicou que vários indícios levaram à conclusão de que o incêndio teve início no auditório no primeiro piso, como a porta de vidro temperado deste local ter espalhado estilhaços para a antessala, bem como as fechaduras terem sido encontradas um pouco afastadas para fora e os vestígios da caixa de vidro laminado, que guardava a cabeça do tiranossauro rex, na antessala, estarem por cima dos estilhaços da porta, indicando a ordem cronológica dos acontecimentos.

Testes

O trabalho da perícia incluiu escavação arqueológica, com o espelhamento dos elementos encontrados para recompor os ambientes. Foram feitos vários testes para verificar o que propagava chamas no local, como as 120 cadeiras presentes no auditório, e outros que pegavam fogo mas não muito rápido, como o piso do palco e o isolamento da tubulação do ar condicionado.

Análises químicas e de queima no piso de mármore indicaram que não houve uso de material inflamável para iniciar o incêndio, como álcool ou gasolina. O local onde se iniciou o incêndio foi identificado com base no deslocamento dos objetos.

“A queima nesse local foi muito completa, então fica muito difícil identificar o caminho do fogo. Mas a gente determinou a posição do Maxakalisaurus topai no segundo piso e encontrou um deslocamento relativo de dois metros para onde foi encontrado no primeiro piso. Em um incêndio, quando a estrutura vem a colapsar, ela fragiliza na região onde foi o incêndio, fazendo o deslocamento na direção do foco do fogo”, disse o perito.