Entre maio de 2017 e setembro deste ano, a organização não governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras (MSF) atendeu a cerca de 2,6 mil vítimas de violência sexual somente na cidade de Kananga, na República Democrática do Congo, na África Central. De acordo com a ONG, 80% delas relataram ter sido forçadas a manter as relações sexuais sob a mira de homens armados.
Do total, 162 pacientes socorridos nessas condições eram crianças com menos de 15 anos de idade, sendo que 22 tinham menos de 5 anos.
Apesar de a maioria das vítimas ser do gênero feminino, o levantamento da entidade também registrou casos de homens que foram coagidos a estuprar membros de sua própria comunidade. Um total de 32 homens alegam ter sido sujeitados a essa situação.
Em nota, o coordenador-geral da unidade do MSF instalada no país, Karel Janssens, avalia que a incidência de violência sexual na região evidencia circunstâncias que persistiram ao longo de todo o ano passado. Segundo ele, os chocantes depoimentos de sobreviventes descrevem como a comunidade e a vida das pessoas foram separadas, tornando muito difícil sua reconstrução e seu avanço.
Localizado na província de Kasai, o município congolês de Kananga passou a dispor da assistência oferecida pela MSF a vítimas de violência sexual apenas em setembro do ano passado. A estrutura foi montada em maio de 2017, mais de um ano após o início da crise humanitária na região, com o propósito inicial de ser um núcleo de procedimentos cirúrgicos para pacientes de trauma.
O perfil da unidade foi sendo alterado à medida que as equipes identificaram a frequente demanda por atendimento de vítimas de crimes sexuais. Com a adaptação nos serviços, a MSF já cuida de mais de 200 pacientes por mês, em média.
Segundo a organização, três a cada quatro vítimas de violações sexuais só chega ao posto de atendimento. A situação encontra-se distante da ideal, já que o acolhimento médico até 72 horas após o estupro torna possível a administração de contracepção de emergência e de medicamentos profiláticos, que diminuem significativamente a suscetibilidade da vítima a doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV.
Panorama
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem acompanhado, desde o início de outubro, um aumento no fluxo de entrada de congoleses pela fronteira de Angola com as províncias de Kasai, Kasai Central e Kwango. Conforme dados divulgados no último dia 29, cerca de 330 mil pessoas retornaram à República Democrática do Congo por essa zona, após o governo angolano ordenar a deportação de migrantes irregulares.
Recentemente, a alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, fez um apelo às autoridades congolesas, mencionando ocorrências de violência registradas desde 2016. Ela pediu que o governo do país garanta que membros das forças da segurança possam ser investigados por violações, no passado ou no presente, contra pessoas – independentemente da etnia. Segundo ela, isso é necessário para fazer justiça às vítimas e evitar a repetição dos ciclos de violência que ocorreram em Kasai em 2016.
No fim de agosto, Emmerson Mnangagwa, do partido Zanu-PF, assumiu o poder, como o primeiro presidente eleito após quase 40 anos de regime do presidente Robert Mugabe, que governou o país desde a independência, em 1980, até novembro do ano passado, após ser derrubado em um golpe de Estado. O pleito foi marcado pela contestação de Nelson Chamisa, líder do Movimento pela Mudança Democrática (MDC), que disputou a corrida presidencial com Mnangagwa e apresentou recurso contra os resultados das urnas, alegando ter havido fraude eleitoral.