Cotidiano

Jovens e adultos recém-alfabetizados lançam livros no Rio

José Cardoso de Santana trabalha há mais de 40 anos como jardineiro no Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, e é um dos 46 alunos recém-alfabetizados do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Peja) que lançarão livros...

José Cardoso de Santana trabalha há mais de 40 anos como jardineiro no Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, e é um dos 46 alunos recém-alfabetizados do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Peja) que lançarão livros em noite de autógrafos hoje (12), no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Nação Rubro Negra. Com idades entre 16 e 70 anos, os alunos produziram seus próprios livros pela plataforma educacional Estante Mágica.

Emocionado, José Cardoso, conhecido como Cacá, disse à Agência Brasil que a sensação é de perplexidade ao perceber que um homem como ele, que antes era analfabeto, hoje assina um livro de sua autoria. “Eu vejo que é possível realizar alguma coisa que você nem imaginava que pudesse conseguir. Escrever livros era só para pessoas de formação acadêmica”. Após o lançamento, Cacá está decidido e já sabe o que vai fazer: retomou os estudos e pretende chegar à faculdade de paisagismo, porque já fez curso no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ): “É uma das minhas paixões”.

Experiência gratificante

Para a professora de uma das turmas de alfabetização do Ciep Nação Rubro Negra, Márcia Cardoso, a experiência foi gratificante. “No ano passado, muitos alunos não sabiam nem ler nem escrever. Estavam na alfabetização e hoje já são escritores. Isso deu um empoderamento para eles muito grande”, comemorou Márcia.

Os alunos foram orientados a escrever, em uma espécie de diário, tudo o que ocorria durante o seu dia. A partir desses diários, que funcionavam como um instrumento de aprendizagem, eles desenvolveram seus próprios livros, a maioria relatando suas experiências de vida. Alguns, como o jardineiro Cacá, optaram por narrar uma história de ficção.

De acordo com a metodologia da plataforma educacional Estante Mágica, os alunos recém-alfabetizados visualizaram primeiro suas histórias sob a forma de e-books ou livros eletrônicos. Uma vez feitas as correções, os livros foram impressos e hoje serão lançados por seus autores. “Todos eles, tanto homens como mulheres, se emocionaram tanto, a ponto de chorar de soluçar. Foi muito bacana”, relatou Márcia Cardoso.

Estante Mágica

Criada em 2012 como uma plataforma de projetos educacionais que transforma alunos em escritores, a Estante Mágica é voltada a crianças de 3 a 10 anos de idade. Esta é a primeira vez que o projeto é aplicado na educação de jovens e adultos, informou à Agência Brasil o cofundador da Estante Mágica, Robson Melo. “A plataforma nasceu para atender crianças do primeiro segmento do ensino fundamental. Trazer essas crianças para o mundo da leitura e da escrita pelo protagonismo e pela autonomia, quando elas conseguem escrever suas próprias histórias”.

A Estante Mágica é uma parceira da organização não governamental (ONG) Associação Parceiros da Educação com a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Um dos desafios que a ONG apresentou foi estender o projeto da Estante Mágica para a educação de jovens e adultos, dando a eles a oportunidade de contarem suas próprias histórias a partir do que aprenderam.

“O projeto é aplicado por meio de uma plataforma em que é gerado um material para que eles ilustrem e escrevam sua história. O livro tem seis páginas de texto e seis páginas de ilustração. A gente ficou muito feliz. É a primeira vez que a gente aplica o nosso projeto na educação de jovens e adultos. Esperamos ser bem-sucedidos nesse processo por entender que nossa plataforma serve para a alfabetização como um todo, não só para as crianças, mas também para jovens e adultos que podem ter a oportunidade de escrever a própria história”, comentou Robson Melo.

Para Melo, a percepção é de que o processo tem similaridades entre as faixas etárias. “Mexe com o mesmo orgulho de ser capaz de escrever história, mexe com o sentimento de autoestima de maneira geral de jovens e adultos que têm, de fato, muitas histórias para contar”.

Foco

O foco principal da Estante Mágica continua sendo o primeiro segmento do ensino fundamental. Robson Melo observou, contudo, que sempre que houver oportunidade, a plataforma poderá ser aplicada a jovens e adultos. Ele vai acompanhar os resultados dessa primeira aplicação para entender o que pode ser melhorado. “E aí, ajustando o produto para, quem sabe, virar um livro que possa ser aplicado para outros programas de jovens e adultos”.

Desde sua criação, em 2012, a Estante Mágica já transformou em escritores 240 mil crianças. “Que venham outros projetos”, comemorou Melo.