O último texto escrito pelo jornalista saudita Jamal Khashoggi antes do seu desaparecimento, no último dia 2 de outubro, foi publicado nesta quinta-feira pelo jornal The Washington Post. O jornalista sumiu após entrar no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, para resolver questões burocráticas. Khashoggi fazia oposição ao governo saudita e criticou diretamente o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman e o rei Salman.
No mesmo dia do desaparecimento de Khashoggi, horas após o jornalista ter entrado no consulado, um comboio de seis veículos saiu do edifício diplomático e seguiu para a residência do cônsul, segundo informações da imprensa turca com base em imagens de câmeras de segurança.
O governo da Turquia se negou a comentar os rumores da imprensa, segundo os quais Khashoggi foi torturado, assassinado e inclusive esquartejado no consulado.
A polícia turca inspecionou o consulado na semana passada e coletou um grande número de amostras, mas considerou necessário estender a operação à residência do cônsul, que fica a 200 metros de distância. Ontem (17), policiais inspecionaram a residência do cônsul.
Carreira e exílio
Em setembro do ano passado, fugiu de seu país natal e se exilou nos Estados Unidos, justamente por causa de seu posicionamento político. Desde o ano passado, quando sua atuação profissional se tornou mais contundente, Khashoggi vivia em Washington e colaborava com o jornal norte-americano. Entre as ações do governo saudita que Khashoggi atacou está a intervenção militar no Iêmen, liderada pela Arábia Saudita.
Jamal Ahmad Khashoggi nasceu em Medina, no dia 13 de outubro de 1958. Durante sua carreira de jornalista, editou o jornal saudita Al Watan, do qual foi demitido duas vezes, porque abria espaço para opiniões mais progressistas. Ajudou a criar a rede de televisão Al-Arab News Channel, que foi tirada do ar um dia depois de transmitir uma entrevista com um crítico do governo do Barém.
Até 2016 mantinha uma coluna no diário árabe de propriedade saudita Al Hayat. Após Khashoggi criticar ações do príncipe herdeiro e do rei saudita, o contrato foi cancelado e o jornalista teve de encerrar sua conta no Twitter. Antes de se opor ao regime saudita, Khashoggi chegou a trabalhar em instituições públicas, tendo assessorado a embaixada saudita nos Estados Unidos.
Khashoggi cobrava do governo saudita reformas liberalizantes, garantia da liberdade de expressão e o fim da repressão no país. Para o governo saudita, o jornalista era um extremista islâmico. Na juventude, ele se aliou à Irmandade Muçulmana – grupo extremista islâmico que prega os ensinamentos do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, sem influência do mundo ocidental.
Último texto
O jornal americano contou, no editorial, a história e a luta de Khashoggi, além de publicar o último texto dele. Na abertura da coluna de Khashoggi, o jornal publicou uma nota da editora de opinião, Karen Attiah, na qual explica como recebeu o texto. Attiah disse ter recebido o texto no dia seguinte ao desaparecimento de Khashoggi, enviado por seu assistente e tradutor.
“The Post suspendeu a publicação, porque esperávamos que Jamal voltasse para que ele e eu pudéssemos editá-lo juntos. Agora tenho que aceitar: isso não vai acontecer. Esta é a última coluna dele que vou editar para o The Post. Esta coluna capta perfeitamente seu compromisso e paixão pela liberdade no mundo árabe. Uma liberdade para a qual ele aparentemente deu sua vida”, escreveu. Encerrando a nota, Attiah agradece por Khashoggi ter escolhido o jornal como seu último posto de atuação.
No texto, Khashoggi defende a liberdade de expressão no mundo árabe. Ele cita o relatório Liberdade no Mundo de 2018, publicado pela Freedom House: apenas um país no mundo árabe foi classificado como “livre”, a Tunísia. Jordânia, Marrocos e Kuwait foram classificados como “parcialmente livres”. O restante dos países, como “não livre”. “
Segundo Khashoggi, sem liberdade de informação, os árabes são desinformados ou mal informados. “Eles são incapazes de tratar adequadamente, muito menos discutir publicamente, assuntos que afetam a região e suas vidas cotidianas. Uma narrativa estatal domina a psique pública e, embora muitos não acreditem, a grande maioria da população é vítima dessa falsa narrativa. Infelizmente, é improvável que essa situação mude”, escreveu.
Para Khashoggi, “o mundo árabe está enfrentando sua própria versão de uma Cortina de Ferro, imposta não por atores externos, mas por forças domésticas que disputam o poder”.