Foram menos de cinco minutos de discurso, mas os efeitos duraram quase uma década. Em setembro de 1968, o então deputado Marcio Moreira Alves subiu à tribuna da Câmara e pregou o boicote aos desfiles do Dia da Independência. No plenário, quase ninguém acompanhou o discurso, mas o Palácio do Planalto decidiu processar o parlamentar por injúria. No dia 12 de dezembro, a Câmara rejeitou o pedido de licença para processar Marcito, como era conhecido. Horas depois, o general Costa e Silva decretou o Ato Institucional número 5 (AI-5).
Considerado o mais duro dos atos institucionais do período da ditadura militar (1964-1985), o AI-5 autorizava o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores, cassar mandatos de parlamentares e suspender direitos políticos dos cidadãos. Há exatos 50 anos, no mesmo dia em que instituiu o AI-5 (em 13 de dezembro de 1968), Costa e Silva fechou o Congresso Nacional por tempo indeterminado. Segundo registro da Câmara, o Congresso só voltou a funcionar dez meses depois.
Além do então presidente da República, assinaram o AI-5: Luís Antônio da Gama e Silva, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares, José de Magalhães Pinto, Antônio Delfim Netto, Mário David Andreazza, Ivo Arzua Pereira, Tarso Dutra, Jarbas Passarinho, Márcio de Souza e Mello, Leonel Miranda, José Costa Cavalcanti, Edmundo de Macedo Soares, Hélio Beltrão, Afonso Lima e Carlos de Simas. A justificativa era assegurar a ordem e a tranquilidade no país.
Invasão
No fim de dezembro de 1968, o governo cassou o mandato de Marcio Moreira Alves, por causa do discurso de setembro, feito em protesto contra a invasão da Universidade de Brasília (UnB) pelos militares. Ao defender a democracia, o então deputado do MDB disse que deveriam cessar, no país, as relações entre civis e militares. “Os militares vão pedir aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Que cada um boicote esse desfile. Esse boicote deve passar também às moças que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais”, afirmou Moreira Alves, morto em 2009.
O AI-5, o papel moderado do ex-deputado Pedro Aleixo, que foi vice-presidente na ditadura, e o discurso de Marcito foram lembrados hoje (13) em sessão solene da Câmara, proposta pelos deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Tadeu Alencar (PSB-PE). “O AI-5 inaugurou um momento dramático na vida brasileira”, disse o deputado pernambucano, lembrando que mandatos de cerca de 300 parlamentares foram cassados durante a vigência do ato.
Era ampla a abrangência do AI-5. O presidente da República tinha poder para intervir nos estados e municípios, o habeas corpus por crimes de motivação política foi suspenso, foi instituída a censura prévia de obras culturais e dos meios de comunicação, as reuniões políticas dependiam de autorização policial e havia toque de recolher em todo o país. Além da cassação dos mandatos eletivos, o AI-5 permitia que o presidente destituísse funcionários públicos, incluindo os juízes.
Abertura
Dez anos depois de instituído, o AI-5 foi revogado no dia 13 de outubro de 1978, pelo Artigo 3º da Emenda Constitucional 11, promulgada no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), já como parte do processo de abertura política. A emenda restaurou o habeas corpus, mas proibiu que os efeitos do AI-5 fossem contestados judicialmente.
Em discurso na sessão solene de hoje da Câmara, o deputado Ronaldo Lessa (PDT-AL), disse que o AI-5 foi “uma página triste” da história brasileira. “A democracia é imperfeita, mas ainda é a melhor forma de governo”, afirmou Lessa. Em um momento de transição de governo, o deputado alagoano pregou a construção de pontes: “Podemos discordar sobre o caminho que nos leva ao desenvolvimento, mas o amor pelo país nos une”.
Para a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), o AI-5 marcou “um dos momentos mais críticos” do país, e a população precisa estar vigilante para que não haja retrocesso na democracia brasileira. “É importante lembrar para nunca mais esquecer, para nunca mais acontecer”, afirmou a deputada. Sob o AI-5, segundo Erundina, o país viveu um período de violação dos direitos humanos, de desaparecidos políticos e de mortes dos que resistiam ao regime militar.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) usou a tribuna para lembrar os 50 anos da edição do AI-5, mas ressaltou a democracia hoje vigente no país. “É preciso lembrar deste dia para que fique claro que hoje nós vivemos um novo tempo, vivemos a antítese daquele dia. Temos uma Constituição cidadã, pleno exercício da democracia, liberdade de expressão e liberdade de ir e vir. Isso é o que significa o presente e é o que queremos para o futuro do país”, argumentou.