O grupo de teatro Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, de Brasília, está recebendo inscrições para fechar a próxima turma de seu curso de formação. A oficina começa em 4 de fevereiro e terá duração de três meses.
Apesar de não haver restrições quanto à idade dos participantes, o criador do Seu Estrelo, Tico Magalhães, explica que, apesar de a atividade ter um caráter lúdico, não é infantil. Para atender a crianças, uma nova turma deverá ser aberta em março.
Existente há 14 anos, o grupo desvencilhou-se, em certa medida e de forma gradual, dos preceitos do teatro de rua, entendendo que, no fim das contas, se aproxima mais do chamado teatro de terreiro. “Quando a gente traz para perto da gente, fala pro vizinho da gente, tende a ser muito universal. Essa ligação que o teatro tem com a própria comunidade”, diz Magalhães.
Segundo ele, o Centro Tradicional de Invenção Cultural, onde as aulas acontecem, foi estruturado há cerca de quatro anos, como forma de disseminar a cultura popular, de que se reveste a criação do Seu Estrelo. “Não é tanto a técnica, e acaba chegando muita gente que não tem essa ligação com teatro, se abre ali. E há também atores que chegam para entender um pouco o que é o grupo. Tem essa mescla. Gente que, depois de assistir a uma apresentação, vem se descobrir”, esclarece. “É muito mais um um mergulho, é muito mais um mergulho para dentro de si. Não estou ensinando algo que está fora.”
Uma das principais feições dos trabalhos desenvolvidos no Seu Estrelo é a improvisação. “A gente esquece que já tem essas memórias. [A oficina] é um acesso, muitas vezes, a esse lugar”, comenta Magalhães.
Logo após a fundação do grupo, suas atividades tangenciavam o cavalo-marinho, expressão cultural de Pernambuco e da Paraíba que congrega coreografias, dramatizações e música. Amplamente praticada por trabalhadores rurais, a brincadeira, muito associada ao teatro de rua, se apropriava, no passado, de espaços como os engenhos de cana-de-açúcar. Atualmente, o folguedo, cujas apresentações têm início em julho e se encerram somente em janeiro, reúne dezenas de personagens, todos enfeitados com máscaras, fitas coloridas e espelhos e divididos em três categorias: animais, humanos e criaturas fantásticas.
A tessitura do legado
Com o tempo, o estilo de Seu Estrela sofreu uma transformação e ao cavalo-marinho foi se somando o Mito do calango voador, gestado por Magalhães. “Eu estava vindo de Recife e tive essa ideia de criar um brinquedo, uma tradição para Brasília. A nossa brincadeira tem essa coisa de ser pra gente, mas, ao mesmo tempo, uma brincadeira nova, para convidar o público a comungar com a gente. O cavalo-marinho, hoje, está mais aberto, mas antes você não via mulher no brinquedo. Se estavam lá, tinham algo muito forte de caricatura”, comenta.
“O mito [do calango voador] é falar do amor, falar do sonho, que estão presentes. Apesar de ter trazido muito de Pernambuco, o Seu Estrelo só existe por conta de Brasília e do Cerrado, foi ele que inspirou o grupo. A nossa brincadeira é muito em cima do ator, a gente é nosso ponto de partida. É a partir do que você traz que se vai brincando. Na roda, não tem um texto formal. Se eu me conecto com a figura, na hora de entrar eu sei por que eu vim e minha história. A partir daí se desenvolvem os diálogos. A gente fala muito que uma das funções do curso é aprender o acaso, como se traz o acaso para a brincadeira, como mantê-lo enquanto a roda está aberta. E a roda, pra gente, é como uma máquina do tempo, ela quebra essa noção de lugar. Quando a gente sente que está lá, brincando, o terreiro da gente acende e o dos outros que brincam também. A oficina tem muito isso de abrir os olhos para esse encantamento, para o fato de que as coisas mudam, para a cidade”, acrescenta.
Para o ator, a valorização da cultura popular permanece como primado do grupo que coordena, peculiaridade esta que o mantém associado a inspirações como Manuel Salustiano Soares, apelidado de Mestre Salustiano, devido à sua contribuição à cultura pernambucana. “É uma escola de profundidade, com conhecimento indígena, africano, europeu, uma junção de coisas. Você vai para a universidade, vai estudar [Constantin] Stanislavki [russo cujas técnicas de interpretação dramatúrgica são mundialmente difundidas] e, pra mim, é muito estranho você ter essas referências e menosprezar tanto esses mestres. E nem é comparação. Cada um vai chegar [à oficina] e trazer algo. Pra mim, Salustiano não tem diferença de [Bertolt] Brecht.”
Outra linha na construção da identidade do grupo foi testar diversas sonoridades que com ele pudessem se assentar. “Temos uma pulsação própria. O samba pisado serve como base pro nosso corpo. Sabia que não podia ser o maracatu, que está muito ligado ao Recife, porque é essa saudade, uma coisa da travessia, uma batida de onda no navio negreiro. Quando vim pra cá, senti que não podia ser essa batida, tinha que ser algo novo. A gente tinha que ter um som próprio e criou o samba pisado, que é uma mistura do maracatu rural com outras referências. Tem alfaia, tambor de maracatu, caixa, abê e gonguê, cada um associado a um elemento natural – fogo, ar, água, terra. Uma das coisas do nosso teatro é que, além de botar a figura [ou seja, a atuação], direciona a dança, para entender esse pulso e ensinar a tocar um pouquinho também, para que a gente tenha, dentro de si, esse pulso.”
Serviço
Oficina de Teatro Popular (http://bit.ly/2SbyTVV), com Tico Magalhães
Aulas de teatro, dança e música, às segundas-feiras, 19h às 22h
Início: 4 de fevereiro
Valor da mensalidade: R$ 180
Local: Centro Tradicional de Invenção Cultural – Setor de Embaixadas Sul (SES) 813
Inscrições pelo e-mail [email protected]