Que bom estar aqui! Comecei minha trajetória na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) como repórter de cultura nesta Agência Brasil, e é bom voltar a ela, agora com a coluna do programa em que sou um dos apresentadores – ao lado dos parceiraços Annie Zanetti, Bruno Barros e Vanessa Léda. Antes de mais nada, um convite: nosso programa é de segunda a sexta-feira, às 17h30, na TV Brasil. Um noticiário cultural bem leve e que, a partir de hoje, passa a estar por aqui também.
E para começar, precisamos falar sobre Brasília. Muito embora saibamos que partem da capital da República a maior parte dos noticiários sisudos do país, é preciso fazer justiça a estas paragens. Afinal, com pouco mais de 3 milhões de habitantes – segundo a última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de julho de 2019 – Brasília é a terceira maior cidade do país. Seria impossível atrair tanta gente para o Planalto Central, se houvesse apenas a burocracia como foco.
A Brasília de que falaremos aqui é a Brasília que deu errado: a que não esteve planejada nos traços de Lúcio Costa, a que não se circunscreve aos palácios de Niemeyer. É a Brasília de pessoas, carregadas de hábitos, costumes, tradições… cultura! Da imprevisão organizacional surgem pequenos teatros que ocupam espaços outrora destinados a serem garagens. Do marasmo e cansaço de assistir à folia momesca em tantos pólos, nascem e brotam blocos e festas de carnaval que atraem turistas. Das periferias outrora indesejadas, vozes e corpos de hip hop, samba, reggae, e claro, rock.
São tantas as nuances que formar uma lista com 60 motivos culturais para amar Brasília se torna tarefa dificilmente justa. Portanto, os critérios para a escolha destes “motivos” serão abrangência, representatividade e síntese geracional. Falando dessa forma talvez não fique tão claro, mas vai por mim que vai dar certo – tenha apenas em mente que não há qualquer pretensão de rankeamento de tais motivos, estarão apresentados aqui apenas seguindo as efemérides. A cada semana serão quatro motivos culturais, até o aniversário de Brasília, em 21 de abril. E para começar do começo, tal como a própria cidade foi erguida, falemos de quatro lugares icônicos da capital, fundamentais para dar espaço para que as artes se desenvolvessem.
60 – Faculdade Dulcina de Moraes
Dulcina era uma diva do teatro no Rio de Janeiro. Largou tudo pra criar em Brasília a própria faculdade de Artes Cênicas. Cravada no Setor de Diversões Sul, bem no coração da cidade, ela arregaçou as mangas e literalmente chegou a empilhar tijolos ao levantar paredes. A capital tinha só dez anos quando isso aconteceu – e em 1980, veio o reconhecimento do Ministério da Educação de que se tratava de um curso superior. Nela atuaram boa parte dos atores que Brasília exportou, tais como Murilo Rosa, Murilo Grossi, diretores como Humberto Pedrancini, Hugo Rodas e Luciana Martuchelli, além de figurinistas, cenógrafos, iluminadores, maquiadores… E não só os que saíram de Brasília, mas grande parte dos que nela permanecem. Nos últimos anos, passou por dificuldades financeiras sérias, que colocaram em risco a manutenção da instituição. Até uma intervenção judicial foi necessária.
Houve ainda, a proposta de tornar pública a instituição, como falamos aqui. Mas, a despeito de tudo, como diz o próprio movimento dos alunos e professores: Dulcina vive!
59 – Casa do Cantador
Distante pouco mais de 25 quilômetros da Brasília dos noticiários está Ceilândia, a maior cidade do Distrito Federal. O DF não é formado por municípios: as cidades são chamadas “regiões administrativas”, portanto, na prática, todos os nascidos nesta unidade da federação atendem pelo gentílico de “brasilienses”. Só que Ceilândia, sozinha, tem quase 490 mil habitantes e, se fosse um município, figuraria como o 43º mais populoso do país. E é o polo nordestino do Distrito Federal. Por isso, abriga a única obra de Niemeyer no DF que está fora da região administrativa de Brasília: a Casa do Cantador. Inaugurada em 1986, é espaço para eventos de repente e forró. Também abriga a Biblioteca Patativa do Assaré e uma “Cordelteca” – onde o estilo literário tão característico do Nordeste encontra abrigo para a consulta e para a preservação. Também tem tendências atuais como as batalhas de rimas do hip hop – outro gênero que encontrou fertilidade para a produção em Ceilândia, mas este é outro motivo cultural para amar Brasília.
58 – Clube do Choro
É a casa de um dos gêneros musicais mais brasileiros possíveis. O Clube do Choro também está instalado na região central de Brasília, e foi mais um dos acasos não descritos no projeto de construção da capital. Foi fundado em 1977 pelos muitos músicos que se reuniam na casa da flautista francesa Odete Ernest Dias. Instalou-se numa área que serviria de garagem para o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, e hoje é um dos principais centros de formação de “chorões” do país. A paixão pelo gênero se explica na pré-inauguração de Brasília, quando o presidente Juscelino Kubitscheck projetava a cidade – e ouvia o choro.
57 – Cine Brasília
Espaço que, este sim, estava nas previsões dos construtores. O Cine Brasília foi inaugurado exatamente um dia após a capital. Patrimônio afetivo de todo brasiliense, abriga a sede do mais antigo festival do país, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Tem 606 poltronas, bem ao estilo “cinema de rua das antigas”, concentra hoje mostras de arte (fora do período do festival, normalmente realizado em setembro) e exibe obras que circulam fora dos circuitos comerciais. E o melhor: passou por uma ampla reforma há poucos anos, ou seja, é garantia de conforto para o espectador, que sempre paga valores bem abaixo dos cobrados em cinemas de shoppings – R$12 a inteira, em geral.
Quer saber sobre outros pontos da cidade? Na semana que vem, o assunto será o rock brasiliense. Até lá!
* Morillo Carvalho apresenta o programa Fique Ligado