Cotidiano

Familiares buscam cilindros de oxigênio salvar pacientes em Manaus

A crise na saúde do estado do Amazonas levou os familiares de pacientes infectados por covid-19 a buscarem cilindros de oxigênio por conta própria para tentar evitar que seus parentes morressem por asfixia. Eles chegaram a sair com cilindros vazios dos hospitais da capital Manaus em busca de locais que pudessem enchê-los. O estoque de oxigênio acabou em vários hospitais da cidade nesta quinta-feira (14), o que levou pacientes internados à morte, segundo relatos de médicos que trabalham na cidade.

A informação foi confirmada pelo presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), Mário Vianna, que trabalha no Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus, e está na linha de frente de combate à covid-19. “Nós estamos em um cenário de guerra e, nesse cenário, principalmente na linha de frente, há pessoas que vem a falecer, ou seja, que são abatidas em combate”, desabafou o médico sobre as mortes causadas pela falta de oxigênio.

“As pessoas [estavam] saindo do hospital com cilindro arrastando indo atrás de oxigênio. Um familiar com paciente que precisa do oxigênio faz qualquer negócio. Os valores de cilindros aumentaram absurdamente, como também das medicações, e nós não vemos nenhuma atuação dos órgãos de controle social. Cadê o Ministério Público? Cadê a Polícia Federal? Cadê a Polícia Civil?”, disse.

Conforme a Agência Brasil divulgou, o aumento do número de casos da doença e a necessária corrida para abrir novos leitos hospitalares fez com que a demanda por oxigênio medicinal aumentasse exponencialmente. Na terça-feira (12), o volume do produto consumido nos hospitais da rede pública de saúde foi mais de 11 vezes superior à média diária habitual de consumo. 

Segundo acompanhantes de pacientes com covid-19 internados no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, também na capital amazonense, o nível de oxigênio para pacientes com covid-19 na unidade chegou a ser reduzido devido à falta do insumo. 

Fátima Mello, de 60 anos, está com o filho de 39 anos internado no local com covid-19, dependendo de oxigênio. Ela contou que na quarta-feira (13), o hospital começou a reduzir o oxigênio dos pacientes, o que levou alguns hospitalizados a terem queda da saturação e a passarem mal. “Meu filho estava saturando entre 91 e 92. À noite, quando reduziram o oxigênio, ele começou a saturar 69, ele amanheceu o dia mole, não conseguia nem abrir o olho de tão mal que ele passou a noite. E, se eu não tivesse conseguido o oxigênio para ele, ele teria morrido”, relatou.

Ela conseguiu comprar um cilindro por R$ 6 mil, mas afirmou que os valores estão subindo. “Hoje eu vi anunciando R$ 8 mil o mesmo cilindro, que dura três horas. Entendeu a nossa preocupação? Porque a gente disponibiliza uma quantia dessas para durar três horas e aí não chega o oxigênio [do próprio hospital depois], vai morrer do mesmo jeito”, desabafou.

Outros familiares não tiveram a mesma condição de comprar o cilindro – seja por falta no mercado, seja pelo preço – e, na tarde de ontem, tiveram que assistir a uma nova redução da oferta de oxigênio aos pacientes, conforme relatou Fátima, e, na ocasião, os acompanhantes foram retirados do hospital.

“Começou a morrer muita gente. E aí eles tiraram todos os acompanhantes que estavam dentro do hospital, tiraram todos os acompanhantes porque eles iriam desligar [o oxigênio] 17h porque não tinha mais. A diretoria do hospital pedindo oxigênio e não chegava, nada de oxigênio. Começou a morrer gente, morrer gente e a família correndo atrás de oxigênio, todo mundo desesperado em Manaus”, contou Fátima.

Segundo Fátima, por volta das 19h30 de ontem, o hospital 28 de Agosto recebeu um carregamento de cilindros e os pacientes voltaram a receber o oxigênio.

O médico Mário Vianna alertou sobre os riscos na diminuição de oferta dos níveis de oxigênio para os pacientes como forma de racionamento. “Se eu tenho paciente com comprometimento pulmonar de 70%, 80% e eu não der oxigênio a ele 100%, eu não estou ajudando-o, eu estou inclusive causando lesão cerebral porque ele não consegue oxigenar direito com 25%, com 30% de oxigênio, e aí vai ter sequela, vai ter uma parada respiratória, parada cardíaca e vai morrer. Estamos vendo cenário de guerra, é preciso que as pessoas acreditem”, apelou o médico.

Ventilação manual

Apesar dos casos de mortes pela falta do oxigênio, Vianna contou que alguns pacientes foram salvos por serem colocados em ventilação manual, para que pudessem receber pelo menos o ar ambiente, já que não havia mais oxigênio. “Porque tem alguns pacientes que estão intubados e não conseguem manter sua respiração sem a máquina. A máquina funciona com eletricidade e com pressão de oxigênio.”

Ele relatou que ontem pacientes precisaram ser ambuzados – receberam oxigenação de forma manual – pelos profissionais de saúde e pelos próprios familiares. “Ontem [foram ambuzados] e acredito que hoje continua a acontecer porque continua tendo deficiência de oxigênio em várias unidades”, disse. No entanto, a medida tem suas limitações, já que uma pessoa não consegue realizar a ventilação manual por muito tempo seguido. 

“Em média, se a pessoa for forte e bem preparada, ela consegue ambuzar uma hora talvez duas horas sem parar, mas não consegue mais do que isso porque há um esgotamento da musculatura das mãos, são movimentos repetitivos e que a mão da pessoa entra em esgotamento. Pode ser um atleta de alta performance, mas ele não consegue ficar ambuzando durante horas seguidas”, explicou.

Vianna contou que o uso de um cilindro em esquema de revezamento entre dois a três pacientes está sendo feito de forma frequente, mas que a medida não está sendo suficiente. “Por mais cilindros que tenha, eles acabam rapidamente e você não consegue ter um quantitativo de cilindro para atender todos os doentes. Com certeza, nesse momento, vários pacientes estão com deficiência de oxigênio.”

A estudante Cibele Nogueira, 35, começou a corrida por um cilindro de oxigênio antes mesmo de a mãe precisar, por causa do medo de depender da oferta nos hospitais. “Eu encontrei hoje pela manhã, através de uma distribuidora, e fui muito rápida, tem que correr, é que nem ouro”, contou. A partir do momento em que a mãe testou positivo para covid-19, ela saiu à procura do insumo.

“As pessoas estão desesperadas atrás de oxigênio, oxímetro também, estão sentindo dificuldade de encontrar. Eu me antecipei para ter mais garantia porque ela já está sentindo cansaço, aquela dificuldade, ela não está em um período grave, mas ela já está naquele caminho. Para eu não correr o risco de perder a minha mãe, de chegar no pronto socorro e encontrar as portas fechadas, então já me precavi, estou cuidando dela em casa”, contou.

O tratamento está sendo feito em casa e, caso a mãe precise do oxigênio, ela contou que contará com o apoio de uma pessoa na família que é enfermeira. “Em nome de Jesus talvez a gente nem chegue [a usar]. Se sobrar, a gente manda para outra pessoa”, disse Cibele. Ela contou que o aluguel por dez dias custa em torno de R$ 1,5 mil.