Família de jovem que morreu na Boate Kiss deverá ser indenizada pela Prefeitura de Santa Maria

Uma decisão inédita de integrantes da 10ª Câmara Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) decidiu que uma família deverá ser indenizada pela morte de um parente no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria. A Justiça decidiu que os pais e o irmão de uma das vítimas do incêndio receberão quase R$ 200 mil por danos morais e materiais.

Os pais, o irmão e os avós paternos do jovem ingressaram na Justiça alegando que era de responsabilidade da Prefeitura de Santa Maria a fiscalização da Boate Kiss, onde houve o incêndio que matou 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de 2013, na área central de Santa Maria.

Durante uma apresentação, um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira utilizou um fogo de artifício que atingiu o teto da danceteria, onde havia uma espuma altamente inflamável que revestia o local. As chamas e os gases tóxicos liberados pela fumaça provocaram as 242 mortes, além de deixarem mais de 600 feridos.

No processo, a família afirma que a Prefeitura Municipal forneceu indevidamente alvará de funcionamento ao estabelecimento. Na ação, o pedido, em antecipação de tutela, é de R$ 1 mil por mês, como compensação ao dano moral sofrido pelos pais da vítima e indenização por danos materiais relativos a despesas com funeral no valor de R$ 7.535.

Os familiares requereram também pensão mensal. A família também pediu o pagamento de danos morais no valor de 500 salários mínimos para cada um dos pais, 300 salários mínimos para os avós paternos e 200 salários mínimos para o irmão da vítima.

A Prefeitura de Santa Maria contestou os pedidos de indenização dos autores do processo por dano material, moral e pensão mensal, dizendo não ser a responsável pelo incêndio. A Prefeitura alegou que o dano ocorreu por ato de terceiro, o que exclui a responsabilidade do Município.

Na sentença, a juíza Simone Brum Pias, da Comarca de Augusto Pestana, reconheceu a culpa da Prefeitura de Santa Maria por omissão de seus agentes. O Município foi condenado a pagar aos pais da vítima R$ 7.535 por danos materiais, além de pensão mensal de 2/3 do salário mínimo nacional, a partir de agosto de 2015 até a data em que o rapaz completaria 25 anos (8/7/2019) e de 1/3 a partir de então, até quando o jovem completaria 65 anos, sendo que na morte de um dos dois a parte equivalente deverá passar ao que ainda estiver vivo.

A magistrada também determinou a indenização por danos morais no valor de R$ 78.800 para cada um dos pais (100 salários mínimos), e de R$ 39.400 (50 salários mínimos) ao irmão da vítima a contar da data do fato. Foi negado o pedido de indenização por danos morais aos avós paternos da vítima.

Apelação

O Município de Santa Maria apelou alegando que o alvará de localização foi expedido de acordo com a legislação vigente, que “não necessitava olhar a edificação para fins de concessão”. Alegou ainda que apenas depois da tragédia, por recomendação do Ministério Público, questões próprias do imóvel passaram a influenciar a aprovação do ato administrativo.

De acordo com a Prefeitura de Santa Maria, a culpa pelo incêndio deve ser atribuída aos proprietários da Boate Kiss e ao Estado do Rio Grande do Sul. Também argumentou que não era sua competência fechar a boate, pois o alvará de localização estava válido. Mencionou que o alvará sanitário, embora contendo equívoco quanto a datas, foi concedido de forma legal.

No entanto, a Prefeitura Municipal sustentou que a questão sanitária e o manejo de alimentos não guarda relação direta com a tragédia. E que a fiscalização das normas de prevenção e combate a incêndio são de responsabilidade do Corpo de Bombeiros. Por fim, a Prefeitura de Santa Maria pediu a redução dos valores, alegando que a saúde financeira do Município não comportaria a condenação caso isso se repita nos casos análogos.

Decisão

O relator do recurso no Tribunal de Justiça, desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, declarou que a responsabilidade da municipalidade fica caracterizada tanto pela sua omissão na fiscalização do funcionamento da boate, quanto pela atuação deficiente ao conceder/manter alvará de localização sem exigir o cumprimento mínimo de normas de segurança: “Mesmo que tivesse sido regular a concessão (o que não foi, repiso), ciente das irregularidades com o projeto arquitetônico, cabia ao Poder Público Municipal a cassação do funcionamento. Isso era de sua competência”, afirmou o relator.

Quanto aos danos morais, o relator manteve os valores aos pais e ao irmão da vítima. Considerou que houve falta de provas para reconhecer o dano moral aos avós, pois deveria ser comprovada convivência próxima e assídua com o neto.

A sentença foi reformada no tocante ao pedido de pensionamento aos pais da vítima. O relator avaliou que, ao tempo da morte, a vítima era estudante, sequer exercendo atividade remunerada. Ainda, não coabitava com os familiares.

Por fim, quanto ao dano emergente, o desembargador afirmou que os autores do processo fizeram prova das despesas com funeral, atribuindo a Prefeitura de Santa Maria o ressarcimento dos gastos comprovados nos autos sem redução dos valores. Acompanharam o voto do relator os desembargadores Túlio Martins e Marcelo Cezar Müller.