FIQUE POR DENTRO

Conheça os efeitos jurídicos depois das chuvas no RS

As chuvas geraram uma série de implicações que se estendem em diversas áreas do nosso cotidiano.

Porto Alegre, RS, Brasil - 03/5/2024 | Início da enchente no Centro Histórico de Porto Alegre. Crédito: Giulian Serafim / PMPA
Porto Alegre, RS, Brasil - 03/5/2024 | Início da enchente no Centro Histórico de Porto Alegre. Crédito: Giulian Serafim / PMPA

Já fazem dois meses das fortes chuvas de maio de 2024 no Rio Grande do Sul. As enchentes geraram uma série de implicações que se estendem em diversas áreas do nosso cotidiano e, invariavelmente, repercutem no âmbito do direito.

É possível citar dezenas de alterações legais, efeitos nas relações contratuais, de seguros, na guarda de documentos com dados pessoais, de locação, de trabalho e no recolhimento de impostos.

O estado de calamidade pública, firmado pelo Decreto n.º 57.596/2024, impacta fortemente a administração pública que, por sua vez, altera a relação com o contribuinte.

Veja a seguir alguns exemplos de mudanças, apontados pelos advogados Gustavo Tonet Fagundes, Gustavo Neves Rocha e Vinícius Lunardi Nader, que os cidadãos devem estar cientes de seus direitos.

Efeitos nas relações contratuais

As inundações de maio de 2024 configuram um exemplo clássico de caso fortuito ou força maior. De acordo com o Código Civil Brasileiro, eventos imprevisíveis e inevitáveis, como desastres naturais, podem exonerar as partes de responsabilidade pelo inadimplemento contratual (Art. 393, CC).

Nessas situações, recomenda-se que com base na flexibilidade legal, as partes busquem ajustar os contratos com brevidade e, sobretudo, antes do vencimento contratual.

Por exemplo, fornecedores que visualizam que não conseguirão cumprir entregas devido a bloqueios de estradas causados pelas enchentes, ou pelo desabastecimento, desde que comprovado, podem endereçar reajustes contratuais para evitar a inadimplência contratual e, consequentemente, a aplicação de multas.

Efeitos nas relações de seguros

Segurados devem revisar suas apólices e, em caso de danos, comunicar o sinistro imediatamente, documentando os prejuízos para facilitar a avaliação e indenização.

Já as seguradoras precisam cumprir prazos de pagamento, observando a apólice do contrato, ciente de que a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) lhes fiscalizará.

Eventual negativa da cobertura do seguro deve ser fortemente documentada pelo segurado para que, em seguida, seja possível adotar medidas para buscar seus direitos da forma mais célere possível.

Efeitos na guarda de documentos com dados pessoais

O armazenamento de dados pessoais é caracterizado como tratamento de dados pessoais e, por conseguinte, está sujeito às previsões da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Portanto, empresas que armazenam dados pessoais, sejam em ambiente físico ou eletrônico, têm o dever de adotar medidas adequadas de segurança para proteger esses dados.

As inundações podem ter comprometido a integridade desses dados, obrigando as empresas, na medida em que necessário, notificar os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre o incidente de segurança, desde que tenha resultado em risco ou dano relevante aos titulares, conforme disposto na LGPD e no Regulamento de Comunicação de Incidentes de Segurança. A falta de comunicação pode acarretar sanções administrativas.

Efeitos nas relações de locação

No âmbito das relações de locação, o Código Civil determina que em caso de perda total ou parcial do imóvel por força maior o contrato pode ser rescindido. No entanto, recomenda-se que as partes contratantes ajustem as condições às novas realidades impostas pelas enchentes.

Além da rescisão, a renegociação pode incluir a revisão das cláusulas contratuais (Art. 478 CC) para equilibrar as obrigações das partes, a redução proporcional do aluguel (Art. 567 CC) se o imóvel estiver parcialmente habitável, a flexibilidade nos prazos de pagamento, e até a suspensão temporária do contrato para reparos significativos.

Efeitos no recolhimento de tributos

Na esfera tributária também foram adotadas diversas medidas para minimizar os efeitos das enchentes aos contribuintes, mediante prorrogação e suspensão de pagamento de tributos, dentre as quais os advogados destacam as medidas abaixo:

Prorrogados os prazos de pagamento de tributos federais

A Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional prorrogaram os prazos de pagamento de tributos federais para julho, agosto e setembro de 2024.

Ampliação do prazo para pagamento de ICMS para empresas localizadas no RS

Em relação ao ICMS, o Governo do Estado ampliou o prazo para pagamento de débitos de ICMS devido por estabelecimento localizado nos municípios em estado de calamidade pública ou em situação de emergência.

Suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS

O Ministério do Trabalho e Emprego, autorizou a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, referentes às competências de abril a julho de 2024, devidos por empregadores situados nos municípios do território do Rio Grande do Sul alcançados pelo estado de calamidade.

Os depósitos referentes às competências suspensas poderão ser efetuados em até quatro parcelas, a partir da competência de outubro de 2024, na data prevista para o recolhimento mensal devido.

Isenção de ICMS na venda de ativo imobilizado

Ainda em relação ao ICMS, foram promovidas alterações no Regulamento do ICMS relativas à isenção do referido imposto, nas saídas de vendas realizadas até 31 de dezembro de 2024. O benefício se aplica tanto para municípios em estado de calamidade pública quanto para aqueles em situação de emergência.

ICMS/SC

O Governo de Santa Catarina prorrogou o prazo de recolhimento do ICMS para o contribuinte que possua estabelecimento situado em município do Rio Grande do Sul em que, em virtude de desastre climático, tenha sido reconhecida situação de emergência ou estado de calamidade pública por meio de portaria da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Estes são alguns efeitos decorrentes das inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul e ilustram como desastres naturais podem desencadear uma série de consequências jurídicas complexas.

A legislação brasileira oferece mecanismos para mitigar os impactos desses eventos e, é crucial que as partes afetadas conheçam seus direitos e deveres para lidar adequadamente com as implicações legais decorrentes de tais catástrofes.