Cotidiano

Crítica ao STF foi "reação extrema" a "subtração de direitos", diz Lula em carta

Em carta aberta aos brasileiros, o ex-presidente da República e ministro da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou nesta quinta-feira (17) que as críticas feitas por ele a integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal), em conversa por telefone com a presidente Dilma Rousseff, ocorreram em uma “situação extrema”, no diálogo pessoal em que “me foram subtraídos direitos fundamentais por agentes do Estado”.
A conversa, interceptada pela Polícia Federal, com autorização judicial, tornou-se pública após o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos da Lava Jato na primeira instância, derrubar o sigilo do grampo. Na gravação, Lula afirma a Dilma que a Suprema Corte está “totalmente acovardada”.

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Em documento divulgado na noite de hoje pelo Instituto Lula, o líder petista diz que no diálogo externou sua inconformidade em conversas pessoal que foi tornada pública em “ofensa à lei e ao direito”.
“Sob o manto de processos conhecidos primeiro pela imprensa, e só depois pelos diretamente e legalmente interessados, foram praticados atos injustificáveis de violência contra minha pessoa e de minha família. Não espero que ministros e ministras da Suprema Corte compartilhem minhas posições pessoais e políticas. Mas não me conformo que, neste episódio, palavras extraídas ilegalmente de conversas pessoais, protegidas pelo Artigo 5º da Constituição, tornem-se objeto de juízos derrogatórios sobre meu caráter”, diz trecho da carta divulgada pelo Instituto Lula.
Na carta, o ex-presidente diz ainda crer nas instituições, na relação independente e harmônica entre os Poderes da República, e esperar, dos membros do Ministério Público, isenção e firmeza. Lula afirmou também “crer nos critérios da impessoalidade, imparcialidade e equilíbrio” dos magistrados.
Além de críticas ao STF, na interceptação telefônica feita pela PF, Lula diz a Dilma que o “Parlamento [está] totalmente acovardado”. Em outros trechos de grampos de Lula, tornados públicos, o petista faz críticas ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e ao juiz Sérgio Moro.
Conforme a carta, Lula diz não se conformar que o “juízo personalíssimo de valores” se sobreponha ao direito.  “Não tive acesso a grandes estudos formais, como sabem os brasileiros. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado, o justo do injusto.”
“Os tristes e vergonhosos episódios das últimas semanas não me farão descrer da instituição do Poder Judiciário. Nem me farão perder a esperança no discernimento, no equilíbrio e no senso de proporção de ministros e ministras da Suprema Corte. Justiça, simplesmente justiça, é o que espero, para mim e para todos, na vigência plena do Estado de Direito Democrático”, finaliza a carta do ex-presidente.
À tarde, o ministro Celso de Mello, mais antigo membro do STF, reagiu às críticas ao STF, feitas por Lula. O decano usou a abertura da sessão desta quinta-feira para dar uma resposta institucional às declarações do petista. O ministro considerou que o conteúdo das interceptações ofendeu, gravemente, a dignidade institucional do Poder Judiciário.
Mello disse que o insulto feito à Corte é “inaceitável” e “passível de repulsa por parte da Corte”, além de traduzir uma “reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes” que não conseguem esconder o temor “pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes, que tanto honram a magistratura brasileira e que não hesitarão, observados os grandes princípios consagrados pelo regime democrático e respeitada a garantia constitucional do devido processo legal, em fazer recair sobre aqueles considerados culpados, em regular processo judicial, todo o peso e toda a autoridade das leis criminais de nosso país”.

Leia a íntegra da carta

Creio nas instituições democráticas, na relação independente e harmônica entre os Poderes da República, conforme estabelecido na Constituição Federal.
Dos membros do Poder Judiciário espero, como todos os brasileiros, isenção e firmeza para distribuir a Justiça e garantir o cumprimento da lei e o respeito inarredável ao estado de direito.
Creio também nos critérios da impessoalidade, imparcialidade e equilíbrio que norteiam os magistrados incumbidos desta nobre missão.
Por acreditar nas instituições e nas pessoas que as encarnam, recorri ao Supremo Tribunal Federal sempre que necessário, especialmente nestas últimas semanas, para garantir direitos e prerrogativas que não me alcançam exclusivamente, mas a cada cidadão e a toda a sociedade.
Nos oito anos em que exerci a presidência da República, por decisão soberana do povo –fonte primeira e insubstituível do exercício do poder nas democracias– tive oportunidade de demonstrar apreço e respeito pelo Judiciário.
Não o fiz apenas por palavras, mas mantendo uma relação cotidiana de respeito, diálogo e cooperação; na prática, que é o critério mais justo da verdade.
Em meu governo, quando o Supremo Tribunal Federal considerou-se afrontado pela suspeita de que seu então presidente teria sido vítima de escuta telefônica, não me perdi em considerações sobre a origem ou a veracidade das evidências apresentadas.
Naquela ocasião, apresentei de pleno a resposta que me pareceu adequada para​ preservar a dignidade da Suprema Corte, e afastei a direção da Polícia Federal, para que as suspeitas fossem livremente investigadas e se chegasse, assim, à verdade dos fatos​.
Agi daquela forma não apenas ​porque teriam sido expostas a intimidade e as opiniões dos interlocutores.
Agi por respeito à instituição do Judiciário e porque me pareceu também a atitude adequada diante das res​ponsabilidades que me haviam sido confiadas pelo povo brasileiro.
Nas últimas semanas, como todos sabem, é a minha intimidade, de minha esposa e meus filhos, dos meus companheiros de trabalho que tem sido violentada por meio de vazamentos ilegais de informações que deveriam estar sob a guarda da Justiça.
Sob o manto de processos conhecidos primeiro pela imprensa e só depois pelos diretamente e legalmente interessados, foram praticados atos injustificáveis de violência contra minha pessoa e de minha família.
Nesta situação extrema, em que me foram subtraídos direitos fundamentais por agentes do estado, externei minha inconformidade em conversas pessoais, que jamais teriam ultrapassado os limites da confidencialidade, se não fossem expostas publicamente por uma decisão judicial que ofende a lei e o direito.
Não espero, nem seria republicano esperar, que ministros e ministras da Suprema Corte compartilhem minhas posições pessoais e políticas.
Mas não me conformo que, neste episódio, palavras extraídas ilegalmente de conversas pessoais, protegidas pelo Artigo 5o. da Constituição, tornem-se objeto de juízos derrogatórios ​sobre meu caráter.
Não me conformo que se palavras ditas em particular sejam tratadas como ofensa pública, antes de se proceder a um exame imparcial, isento e corajoso do processo arbitrário e ilegal que levou ao vazamento ilegal de tais conversas.
Não me conformo que o juízo personalíssimo de valor​ se sobreponha ao direito.
Não tive acesso a grandes ​estudos formais, como sabem os brasileiros. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado; o justo do injusto.
Os tristes e vergonhosos episódios das últimas semanas não me farão descrer da instituição do Poder Judiciário. Nem me farão perder a esperança no discernimento, no equilíbrio e no senso de proporção de ministros e ministras da Suprema Corte.
Justiça, simplesmente justiça, é o que espero, para mim e para todos, na vigência plena do estado de direito democrático.