O combate ao tráfico de drogas e o desenvolvimento de políticas públicas devem ser as principais medidas a serem adotadas na Cracolândia, na opinião dos habitantes da capital paulista. O resultado faz parte da pesquisa de opinião divulgada hoje (18) pela organização não governamental Rede Nossa São Paulo.
Entre os entrevistados, 59% acreditam que o combate ao tráfico pode solucionar a questão. Para 53%, a atuação conjunta do Poder Público em saúde, segurança, assistência social, educação e trabalho é a melhor forma de lidar com o problema. Além disso, 43% destacaram a necessidade de construção de unidades de saúde com foco no atendimento aos usuários de drogas.
A Cracolândia, localizada na Luz, região central paulistana, reúne centenas de usuários de drogas e população em situação de rua e tem sido alvo de constantes operações da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana. A repressão foi intensificada depois da mega ação policial realizada em maio de 2017, que deslocou a aglomeração de pessoas para a esquina da Rua Helvetia com a Alameda Dino Bueno.
Entre outras possibilidades de atuação levantadas estão o incentivo à sociedade civil para criar projetos de atendimento aos usuários (33%); o cuidado com as famílias que vivem na região (27%); uma parceria da prefeitura com o governo estadual para aumentar a ação policial (27%); o incentivo à instalação de empresas na área (23%).
População de rua
Em relação à população de rua da capital paulistana, 37% dos entrevistados destacaram a necessidade de ampliar o número de centros de acolhimento, 34% acham que o melhor é oferecer cursos de capacitação e 30% querem incentivos a empresas para contratar essas pessoas. A ampliação da rede de atendimento socioassistencial deve ser o foco para 27% e 26% defendem que prédios desocupados ou com dívidas com a prefeitura devem ser destinados à moradia popular.
O estudo foi elaborado a partir de 800 entrevistas com residentes em São Paulo com mais de 16 anos de todas as regiões da cidade.
Para Aldaíza Sposati, professora da pós-graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a desestruturação dos serviços de atendimento à população vulnerável ao longo dos últimos anos provocou o espalhamento dessas pessoas pela cidade. A especialista defende que haja uma continuidade nas ações de modo a aproveitar o acúmulo de experiência e conhecimento.
“Você não teve uma continuidade da atenção. O abrigo é um campo de passagem para outras soluções mais definitivas. Isso foi descuidado. Desde o prefeito [José] Serra [2005] foram retiradas as moradias de aluguel, as repúblicas. Todos os campos de saída da população foram sendo trucados. Praticamente, isso tudo foi reduzido a ficar na rua”, explicou em debate após a apresentação dos dados.
O último censo encomendado pela administração municipal de São Paulo, feito em 2015, indicou que 15 mil pessoas viviam nas ruas da cidade.
Políticas para a Cracolândia
Sobre a Cracolândia, Aldaíza acredita que as ações devem ir muito além da assistência social e passam até por mudanças na política de drogas. “Eu diria que não é uma política de assistência social falar da Cracolândia, é uma política intersetorial: uma política de saúde, urbana. Uma política muito mais ampla, até da regulação de drogas”, destacou.
Pesquisadora na área de direitos humanos e de adolescentes em conflito com a lei, Adriana Palheta lembrou da importância de que haja mais atenção aos jovens em situação vulnerável. Segundo ela, muitas vezes essa população é deixada de lado no desenvolvimento das políticas públicas. “O adolescente é persona non grata nas políticas públicas. Ele some e aparece de volta lá dentro da Cracolândia. Aparece de volta na população de rua. E às vezes a gente não acha porque ele morre antes”, apontou.
O coordenador da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancelotti, criticou a ideia de que o combate ao tráfico de drogas possa ser uma solução para a Cracolândia. .Para o religioso, colocar as drogas como centro dos problemas na Cracolândia é uma forma de tentar controlar a população de rua, uma vez que essa é uma questão presente em todas as regiões da cidade.
“Hoje o tráfico está na porta de todas as universidades. Onde têm mais drogas? Na porta da PUC, do Mackenzie, da São Judas, da Anhembi-Morumbi, ou aqui na Cracolândia?”, questionou.