Mesmo aberto ao público, o velório do diretor teatral Antunes Filho manteve um certo clima intimista. O caixão foi colocado no palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, no centro da capital paulista. Na plateia, amigos, colegas de trabalho e antigos alunos, vários visivelmente emocionados, mantinham silêncio. Do lado de fora, personalidades da classe artística conversavam com os jornalistas, lembrando o legado de Antunes para o teatro e a formação de atores.
Quase 40 anos formando atores
Com os olhos inchados, o ator Emerson Danesi contou um pouco da trajetória de 23 anos ao lado do diretor. Ele chegou como aluno do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), formou-se como ator e chegou a dirigir alguns espetáculos escritos pelo diretor. “O Antunes sempre foi um homem de teatro, mas acima de tudo um pedagogo. Muito preocupado com a formação do intérprete, com a formação do ator, com a técnica, com a metodologia de trabalho”, comentou, sobre o trabalho do diretor.
Nascido em 1929, Antunes começou a carreira no teatro no início da década de 1950 como assistente de direção no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Em 1978, dirige Macunaíma, que marca uma virada em sua carreira e na forma de encarar o teatro. Pouco tempo depois, em 1982 funda o CPT no Sesc Doutor Villa Nova, no centro paulistano, escola por onde passam nomes de peso do teatro e televisão brasileira.
“É uma pessoa que ensinou que temos que entender tudo de arte para estar no palco. Tem que se formar como cidadão para estar no palco”, disse Danesi sobre os processos do diretor, conhecido pelo rigor.
Despedida
Antunes foi internado no último dia 22 de abril, após sentir um mal estar. Foi diagnosticado com um câncer de pulmão em estágio avançado. Morreu às 21h30 de ontem (2) de insuficiência respiratória.
Na última conversa que teve com o diretor e mestre, já internado no Hospital Sírio-Libanês, Danesi disse que falaram sobre arte e espiritualidade. “Como é a cabeça de um artista que vive a vida inteira projetando imagens poéticas e lúdicas para plateia, e como isso vem em momento tão difícil, que é essa passagem, nos salvar disso tudo. A arte e o teatro sempre foram, para ele, esse lugar de compartilhamento e de alguma forma de transformação das coisas terríveis que a gente tem que passar pela vida”, afirmou.
O ator Marcelo Szpector, que trabalhou por 12 anos com Antunes, destacou que, mesmo internado, o diretor ainda mantinha o foco no teatro. “Eu tive com ele poucos dias antes dele ir embora e ainda estava com a cabeça no teatro. Impressionante.”
Legado
O ator Juca de Oliveira, que trabalhou com Antunes pela primeira vez no início da década de 1970 disse ter perdido um grande amigo. “Se não o meu melhor amigo, e meu grande diretor”, lamentou. “Ele conseguiu estabelecer um nível excepcional do ponto de vista de encenação e sobretudo do ponto de vista de interpretação. Ele era um apaixonado pelo teatro e conseguia transmitir essa paixão aos atores”, relembrou sobre o trabalho de Antunes.
O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Ale Youssef também foi prestar as últimas homenagens ao artista. “A cultura de São Paulo está de luto. Perdemos um grande mestre que influenciou gerações de atores e atrizes brasileiros”, disse.
O diretor do Sesc de São Paulo, Danilo dos Santos Miranda, deu ênfase no legado deixado pelo diretor. “Uma figura ímpar, que realizou um trabalho não apenas de criação pessoal imenso, na sua forma de fazer e interpretar peças internacionais e sobretudo nacionais, mas ele deixa um legado de formação de novos atores, atrizes e diretores.”