Congestionamentos de automóveis, superlotação de ônibus, trens e metrôs são realidade em grandes cidades e fazem com que, normalmente, os problemas e soluções de mobilidade sejam direcionadas às grandes metrópoles. No entanto, cidades com menos de 100 mil habitantes, apesar de não enfrentarem essas mesmas dificuldades, também têm na mobilidade um gargalo para seu desenvolvimento, problema normalmente deixado de lado pelo Poder Público.
“Quando você fala em mobilidade, as pessoas pensam sempre em trânsito, ou transporte público lotado, no tempo que se gasta dentro do transporte público com o trânsito, no movimento moradia trabalho no início do dia e final da tarde, dificuldades encontradas nas grandes e médias cidades”, destaca o especialista em mobilidade Willian Rigon, pesquisador sobre do tema e diretor da empresa Urban System.
Segundo ele, nas cidades pequenas, os problemas de mobilidade não são menores, mas apenas diferentes. “Você tem outros tipos de problema, que é a falta de acesso ao transporte público, o tempo de demora para o transporte público chegar, a qualidade desse transporte público, porque as frotas antiquadas das grandes cidades são vendidas para cidades pequenas”, destaca.
Se em uma cidade grande, os ônibus passam nos pontos lotados, em uma cidade média ou pequena, o transporte coletivo chega normalmente com lugares sobrando, porém, em frequência menor, dois ou quatro horários por dia. E não há alternativas, como as encontradas em uma capital: metrôs, trens e veículos leves sobre trilhos (VLT). “Cidades pequenas, quando são atendidas por modais de transporte de massa, como metrô e trem, é apenas porque fazem parte de alguma região metropolitana”.
Rigon foi o responsável em 2017 pela pesquisa sobre mobilidade da Connected Smart Cities, uma plataforma que visa a colaborar para que as cidades brasileiras possam tornar-se mais inteligentes e conectadas. O estudo, lançado no ano passado, classificou as cidades de acordo com as melhores soluções de mobilidade e publicou um ranking.
Modelo de Curvelo
São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro foram as cidades melhores classificadas, respectivamente. No entanto, a cidade de Curvelo (MG), com cerca de 80 mil habitantes, destacou-se: foi a única com esse porte, e sem ser capital, a figurar entre as dez melhores no ranking geral – as nove primeiras são capitais.
A classificação no ranking leva em consideração oito critérios: proporção entre ônibus e automóveis; idade média da frota dos meios de transporte públicos; quantidade de ônibus por habitante; variedade dos meios de transporte; extensão de ciclovias; rampas para cadeirantes (acessibilidade); número de voos semanais (conectividade com outras cidades); e transporte rodoviário.
O município mineiro foi classificado em primeiro lugar na lista das cidades com melhores soluções para mobilidade, considerando localidades com até 100 mil habitantes. A pesquisa avaliou 500 municípios brasileiros.
“O conceito nosso não é focado em tecnologia. Ele é focado em planejamento e gestão de cidade inteligente. Então, não necessariamente uma cidade pequena precisa de uma solução similar a uma cidade grande, com transporte público de massa”, destaca Rigon.
O destaque da cidade mineira é a proporção de ônibus por automóvel, que é de 98 ônibus para cada carro particular, bem como a de ônibus por habitante (21 para cada mil pessoas). Também chama a atenção a idade média da frota de ônibus da cidade, inferior à média nacional, e a acessibilidade das calçadas.
“Quando a gente fala em cidade conectadas é que o prefeito tenha um bom planejamento e que ele busque soluções condizentes com os problemas que existem na própria cidade. Eu não preciso, em uma cidade pequena, trabalhar com semáforos inteligentes se ela não tem problema de trânsito, se ela não tem problema de pico de horário”.
Solução pode estar nas cidades menores
Para o professor do Centro de Estudos em Geociências (CeGeo) da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (FIH) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Douglas Sathler, parte da solução para a mobilidade nas grandes cidades pode estar nos municípios médios e pequenos do país.
De acordo com Sathler, equilibrar o território com a existência de cidades intermediárias, ou polos regionais, com boa infraestrutura de mobilidade, pode desafogar os grandes centros. Fomentar economicamente cidades menores evitaria o acúmulo de demandas por transporte nas maiores.
“O que acontece em uma cidade média é fundamental para grandes cidades também. Você não teria um deslocamento massivo de migrantes na década de 70 e 80 para São Paulo se tivesse polos regionais em fase de consolidação no Nordeste”, destaca.
O forte crescimento populacional na capital paulista há cerca de 50 anos é um dos fatores decisivos para os problemas de mobilidade enfrentados atualmente. A absorção dessa massa por cidades menores teria evitado o acúmulo desproporcional de moradores, por exemplo, na região metropolitana de São Paulo, onde vivem mais de 20 milhões de pessoas.
“No Brasil, a gente nunca teve uma política forte, a nível federal ou estadual, que fortalecesse essas cidades menores, que investisse em infraestrutura para torná-las mais atrativas. Os investimentos acabaram concentrando-se em cidades grandes, que concentraram também os problemas, talvez até com maior nível de gravidade pela dinâmica de concentração industrial e demográfica que a gente teve nessas localidades”, ressalta.
Nos últimos anos, segundo o professor, tem ocorrido um certo deslocamento de população de algumas metrópoles para cidades intermediárias. Mas o processo está se dando mais pelos fatores negativos das grandes cidades do que pelo investimento nas médias.
“O que está acontecendo no Brasil é que muitas cidades de médio porte estão ganhando alguma notoriedade porque existe muito mais uma fuga de grandes centros urbanos de atividades econômicas ou industriais, porque existem muitas penalidades negativas nessas cidades”, diz.
Atualmente, segundo o professor, nas cidades intermediárias, o desclocamento é feito basicamente com o uso do carro, e com a pequena quantidade de ônibus que, geralmente, são velhos e barulhentos.
“É preciso sim pensar políticas de transporte para cidades grandes, mas para cidades de médio porte também, que são já esquecidas nesse sentido. Não teria necessidade imediata de grandes linhas de metrô em uma cidade de 100 mil habitantes, mas você poderia usar o VLT, criar corredores de ônibus, para tornar a cidade mais democrática para os cidadãos”.