São Paulo – Ansa Brasil | O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve acesso à minuta de um decreto que delineava um golpe de Estado no Brasil. O objetivo do documento era subverter o resultado das eleições de 2022, impor um estado de sítio e, assim, impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que diz o relatório da Polícia Federal que embasou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A apuração da PF serviu de base para que Moraes autorizasse a “Operação Tempus Veritatis”, que cumpriu quatro mandados de prisão e 33 de busca e apreensão contra o núcleo político e militar do bolsonarismo. Policiais federais cumprem as medidas judiciais, expedidas pelo Supremo Tribunal Federal, nos estados do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.
De acordo com a PF, as apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital.
O primeiro eixo consistiu na construção e propagação da versão de fraude nas Eleições de 2022, por meio da disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022. O segundo eixo de atuação, segundo a Polícia Federal, consistiu na prática de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível.
Segundo as investigações da PF, Bolsonaro recebeu a minuta do decreto de Filipe Martins, ex-assessor internacional da Presidência, e do advogado Amauri Saad, suspeito de ser o autor do texto. A minuta do golpe, como o documento ficou conhecido, foi apreendido na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres após a insurreição do dia 8 de janeiro de 2023.
A versão original do documento decretava a prisão de Moraes, do ministro Gilmar Mendes, seu colega no STF, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de convocar novas eleições. No entanto, Bolsonaro teria pedido para manter apenas a detenção de Moraes, o que indica que ele tinha conhecimento da trama golpista.
“Conforme descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do poder Judiciário no poder Executivo, e ao final decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e por fim determinava a realização de novas eleições”, diz o relatório da PF.
“Posteriormente foram realizadas alterações a pedido do então presidente [Bolsonaro], permanecendo a determinação de prisão do ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições”, diz o relatório, acrescentando que Moraes era “monitorado” pelos investigados.
“Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os comandantes das forças militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado”, acrescentou a PF. O plano, como se sabe, não foi à frente.
O ex-presidente foi impedido de deixar o Brasil e terá de entregar o passaporte às autoridades. Entre os alvos de mandados de prisão na Tempus Veritatis estão Filipe Martins, o major do Exército Rafael Martins de Oliveira e o coronel Marcelo Câmara.
Já os mandados de busca e apreensão miraram homens de confiança de Bolsonaro, como os generais e ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), bem como Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que acabou detido por porte ilegal de arma de fogo.
Bolsonaro diz ter ficado “surpreso” com operação
O ex presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quinta-feira (8) que ficou “surpreso” com a chegada de agentes da Polícia Federal à sua casa em Angra dos Reis, no litoral fluminense, e prometeu entregar o passaporte às autoridades, no âmbito das investigações sobre um plano para minar as eleições de 2022 e a tentativa de golpe de janeiro de 2023.
“Por enquanto, eu ainda estou no ar, não sei o que está acontecendo”, declarou o ex-mandatário. Ele afirmou que deve entregar o passaporte em até 24 horas, cumprindo a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Em post no X (antigo Twitter), Fabio Wajngarten, um dos advogados Bolsonaro, confirmou que, “em cumprimento às decisões de hoje”, o ex-mandatário entregará o passaporte para as “autoridades competentes”.
Moraes também impediu Bolsonaro de manter contato com outros investigados, incluindo os generais e ex-ministros Augusto Heleno e Walter Braga Netto e outros militares que são alvos da Operação Tempus Veritatis.
O ex-presidente afirmou que a batida da PF em sua residência foi “tranquila” e que não houve “tensão” com os agentes. Além disso, declarou que não recebeu a lista de pessoas com as quais não pode fazer contato. Entre as pessoas que o ex-presidente não pode manter contato estão os generais e ex-ministros Augusto Heleno e Walter Braga Netto e outros militares que são alvos da ação.
Lula pede “rigor da lei”
Em visita a Minas Gerais, Lula declarou após a operação da PF que espera a aplicação do “rigor da lei” contra os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
“É muito difícil um presidente da República comentar sobre uma operação da Polícia Federal que ocorre em segredo de justiça”, afirmou Lula em entrevista à rádio Itatiaia.
“Espero que não ocorra nenhum excesso e seja aplicado o rigor da lei. Sabemos dos ataques à democracia. Precisamos saber quem financiou os acampamentos. Vamos esperar as investigações”, acrescentou.
Durante a entrevista, Lula também disse esperar que Bolsonaro tenha a “presunção de inocência” que ele alega não ter tido nos processos da Lava Jato. “O que quero é que seja investigado e apurado. Quem tiver responsabilidade pelos seus erros, que pague”, declarou.