Profissionais que atuam no combate ao trabalho análogo à escravidão se reuniram hoje (25) em audiência pública da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, na Câmara dos Deputados. O chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Matheus Alves Viana, defendeu que o governo federal priorize a destinação de recursos para as operações planejadas de fiscalização.
Viana afirmou que, no ano passado, a maioria dos resgates de trabalhadores nessas condições foi possível por meio de atividades planejadas, que ocorriam sob coordenação do antigo Ministério do Trabalho, cuja atividades foram incorporadas pelo Ministério da Economia. Segundo ele, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que tem a missão de comandar as operações chega “aonde nenhum outro órgão público chega” e que são, na verdade, “nosso pequeno faroeste”.
Segundo ele, o grupo é resultado de uma articulação interinstitucional, que abrange agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Defensoria Pública da União e de núcleos especiais da Polícia Militar. Ao todo, são quatro equipes, compostas por 19 auditores fiscais, que realizam, mensalmente, uma operação especial de âmbito nacional. Os auditores permanecem em campo por 12 dias, atividade que é seguida de uma etapa de trabalho administrativo, com duração de duas semanas.
O chefe da divisão explicou que o contingenciamento de recursos públicos, neste setor, prejudica a atuação dos fiscais e o resultado final dos trabalhos. “Se a gente deixar dois ou três meses sem atender, são pessoas que não vão ser resgatadas. São trabalhadores que vão ter seu direito violado e não vão ser ressarcidos, até porque boa parte da nossa atuação é realizada em atividades que têm caráter transitório”, acrescentou. “Como a gente não tem uma rubrica específica para trabalho escravo, ela é genérica, sempre vai depender de uma decisão política de que aquele recurso vá ou não para a inspeção do trabalho,”
Distanciamentos
Viana também disse que, nas unidades regionais, há cada vez menos auditores fiscais e que a reforma ministerial implicou uma “verticalização” que acabou afastando as equipes do ministro que responsável pela área. Atualmente, a divisão responde à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada à Secretaria de Trabalho, que, por sua vez, está subordinada à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.
“Falando de 2019, a gente não teve nenhum cancelamento, nenhuma interrupção ainda, apesar de que a verticalização dificulta um pouco para gente, porque a gente depende desses recursos. Então, é muito difícil agora.”, pontuou.
Viana avalia que a forma de atuar do GEFM é “uma das melhores do mundo”, mas que ainda há casos de trabalho escravo contemporâneo por todo o país. “É assassinato de trabalhador por conta de R$ 400, é desse tipo de coisa que a gente está falando. É trabalhador que só come quando caça. Um senhor que a gente encontrou, que comia quando caçava e perdeu a condição de caçar, porque ficou velho, e tinha que botar ratoeira em casa, para pegar rato e comer rato. É esse tipo de coisa que acontece em 2019, no século 21 e no nosso país, infelizmente”, relatou.
No início deste mês, o Ministério da Economia atualizou a chamada lista suja do trabalho escravo, que enumera os empregadores que praticam o crime. Ao todo, foram mencionados 187 empregadores, entre empresas e pessoas físicas, e 2.375 trabalhadores. A maioria dos casos está relacionada a funções laborais desenvolvidas em fazendas, obras de construção civil, oficinas de costura, no garimpo e na mineração.
Trabalho escravo
A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada – quando a pessoa é impedida de deixar seu local de trabalho – desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas. Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, por seu patrão.
De acordo com a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), jornada exaustiva é todo expediente que, por circunstâncias de intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, que tem sua vontade anulada e sua dignidade atingida. Já as condições degradantes de trabalho, frenquentemente, estão ligadas às violações de direitos fundamentais como: higiene, saúde, segurança, moradia, repouso e alimentação. Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o funcionário tem seu deslocamento restrito pelo empregador sob alegação de que deve quitar determinada quantia de dinheiro.
O Ministério Público do Trabalho disponibiliza, em seu site, um canal para registro de denúncias de crimes que atentem contra os direitos dos trabalhadores. A notificação pode ser feita de forma anônima.