Análise: caso das crianças esquartejadas expõe falhas graves

Pouco mais de 24 horas depois da revelação que todos os depoimentos que acusavam sete pessoas pelo crime eram uma farsa, convém colocar as coisas em seu lugar.

O caso das duas crianças encontradas esquartejadas nos dias 4 e 18 de setembro de 2017, em Lomba Grande, voltou para a estaca zero. Mais do que mostrar uma grande mentira por parte de pessoas que se diziam testemunhas, ele expõe falhas graves: na polícia, no sistema judiciário e, também, na imprensa.

Pouco mais de 24 horas depois da revelação que todos os depoimentos que acusavam sete pessoas pelo crime eram uma farsa, convém colocar as coisas em seu lugar. Primeiro, fato provado, por perícia do IGP (Instituto-Geral de Perícias), que houveram as mortes das crianças. “Como”, “quando” e, principalmente, “por qual motivo” são as principais perguntas.

Durante quase três meses, entre setembro e metade de dezembro do ano passado, as principais hipóteses eram vingança ou crime passional. Nenhuma possibilidade era descartada, mas todas eram muito mais prováveis.

Passaram-se alguns dias do Ano-Novo e veio a surpresa. Um delegado, Moacir Fermino Bernardo, que havia entrado no caso porque o titular entrou em férias, teria desvendado o caso. Em coletiva, expôs o que parecia uma complicada trama de acontecimentos que levavam quase ao desfecho da história.

“Tudo o que tínhamos até agora é mentira, uma farsa”

Delegado Rogério Baggio, ontem, em coletiva após pedir a soltura dos acusados pela morte das crianças

Com constantes exaltações no tom de voz durante os questionamentos dos jornalistas, ele apontou sete “servos de Satanás”. O mais absurdo veio depois, quando questionado como havia chegado às conclusões: através de “dois profetas” que haviam indicado a ele, um “servo de Deus”, quem seriam os autores daquela barbárie.

No inquérito preliminar, que foi obtido pela reportagem de vários veículos, inclusive pelo Agora no RS, havia uma construção narrativa cheia de detalhes. Até detalhes de como os corpos estavam permeavam a dita apuração. Tudo não passava de uma fábula, apontaram as novas investigações.

Diante de provas testemunhais, a Justiça foi ludibriada a ordenar a prisão de sete pessoas. Um mestre de magia, dois micro-empresários, filhos deles, ficaram entre 30 a 40 dias no cárcere. Outros dois homens, sendo um deles de nacionalidade argentina, não chegaram a ser presos.

As “pontas soltas” na versão apresentada à imprensa eram muitas, mas a falta de conhecimento ou a não divulgação de detalhes é comum para “não atrapalhar” as investigações. A mais chamativa era a troca de um caminhão supostamente roubado por crianças argentinas, que seriam as vítimas achadas em Lomba Grande.

Mas, pela gravidade que o caso apresentava, a falta de fontes que pudessem corroborar ou desmentir os fatos narrados pelo delegado Fermino, a imprensa – inclusive nós do Agora no RS – fomos levados a crer nesta falácia. Pior, nós jornalistas levamos milhões de pessoas Rio Grande do Sul, Brasil e mundo a fora a crer naquelas declarações falsas. Por isso, também somos culpados. Indiretos, mas somos.

Os críticos da imprensa vão dizer que somos um bando de incompetentes, que somos isso aqui, ou aqui outro. Mas, na verdade, também fomos enganados e, por conta da nossa posição pública, informamos errado. Não por vontade própria, mas pela insensatez de alguém que acreditou em testemunhas falsas, mandou pedidos de prisão de sete homens que sequer se conheciam. Também pela nossa incapacidade de, com respeito, “colocar na parede” uma autoridade policial para extrair tudo dela. Às vezes parecemos estudantes de jornalismo que, sem saber questionar, ficam sem notícia para fazer.

“Tudo o que tínhamos até agora é mentira, uma farsa”, afirmou o delegado Baggio, ontem em coletiva. Essa frase não me sai da cabeça. Agora nos resta esperar os novos desdobramentos deste caso, que culminará na investigação de todos os agentes envolvidos, em especial do delegado Fermino.

O caso das testemunhas falsas já está com a corregedoria da Polícia Civil. Ainda é cedo para saber o que irá acontecer com as três pessoas que mentiram em depoimento pressionadas por uma quarta pessoa. E a grande questão é quem será esta quarta pessoa, que está presa?

Aguardemos a solução deste caso assombroso, não tanto pelo quesito da violência contra as crianças, mas pelos erros absurdos e em série cometidos no decurso das investigações.

Pedimos as mais sinceras desculpas aos inocentes envolvidos nesta trama nefasta. Que a Justiça faça o seu trabalho e puna quem prestou falso testemunho. Que a Corregedoria da Polícia Civil cumpra seu dever e, com independência, tire suas conclusões e, se necessário aplique sanções às atitudes do delegado Fermino.


Leonardo Severo é editor do Agora no RS desde a fundação do portal, ainda como Plantão RS, em 2015. Para o veículo cobriu todo o caso das crianças esquartejadas desde setembro de 2017.