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Reino Unido faz primeira eleição geral do reinado de Charles 3º

Pesquisas apontam líder trabalhista Keir Starmer na frente e uma implosão do partido dos conservadores, há 14 anos no poder no Reino Unido.

Crédito: rawpixel.com
Crédito: rawpixel.com

O Reino Unido realiza, nesta quinta-feira (4), a primeira eleição geral sob o reinado de Charles 3º. A última vez que os eleitores escolheram os 650 MPs (membros do Parlamento) ocorreu em dezembro de 2019, ainda no reinado de Elisabeth 2ª.

O sistema eleitoral britânico – embora tenha inspirado o modelo dos Estados Unidos, referência para a maioria dos países democráticos – é composto apenas por uma estrutura de representantes. É a chamada “Câmara Baixa”, ou “Câmara dos Comuns“. O equivalente ao Senado no sistema dos EUA é a “Câmara Alta”, ou “Câmara dos Lordes”, composta pelo rei (ou a rainha), arcebispos da Igreja Anglicana e os detentores do título de nobreza dados pela alteza. Não há limite para o número de lordes e nem eleição.

O funcionamento do Parlamento britânico tem suas peculiaridades. Por exemplo, há representantes de quatro países: Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. O total de representantes – na atual configuração – é de 650 cadeiras. Cada assento representa um distrito eleitoral composto por algumas cidades.

O processo de escolha é, comparado com outros países de sistema parlamentarista, mais simples. Um dos partidos precisa ter maioria (metade mais um) no Parlamento para formar o governo. Caso esse total não seja obtido, existe o “hung parliament” (parlamento suspenso, em inglês). Isso significa que os partidos precisam formar uma aliança para formar um “governo de minoria”. Esse tipo de aliança aconteceu várias vezes e, normalmente, precipita novas eleições pouco tempo depois.

Tradicionalmente existem quatro grandes partidos no Reino Unido, que concentram o maior número de votos e representantes. Nessa lista estão os Conservadores, ou “Tories”, os Trabalhistas; os Liberais Democratas, conhecidos como “LibDems”; e o SNP (Partido Nacional Escocês). Há vários outros partidos, principalmente no País de Gales e Irlanda do Norte, mas que não atuam na Inglaterra, por exemplo.

A maior rivalidade, porém é entre os “Tories”, representados pela cor azul e atualmente no poder, e os Trabalhistas, representados pelo vermelho.

Contexto eleitoral

Os Conservadores estão no poder desde 2010, através dos governos de David Cameron (2010-2016), Theresa May (2016-2019), Boris Johnson (2019-2022), Liz Truss (setembro-outubro de 2022) e Rishi Sunak (outubro de 2022-atualmente). Apenas três desses cinco primeiros-ministros foram escolhidos pelo voto popular (Cameron, May e Johnson).

Nesse período surgiu o Brexit, o movimento de tirar o Reino Unido da União Europeia. A pauta surgiu após a crise da dívida da zona do Euro, iniciada em 2012. A promessa era, ao sair do mercado comum, um novo ciclo de crescimento econômico e prosperidade. Um referendo foi realizado em 2016 e David Cameron renunciou como consequência. Theresa May assumiu a liderança do partido Conservador e invocou o artigo que permitiria a retirada do Reino Unido da UE.

No entanto, o processo não foi tão simples. Em 2017, May tentou eleger um novo parlamento com mais conservadores para conseguir concluir o processo, mas fracassou. Ela só se manteve no poder porque conseguiu formar um governo de minoria ao se aliar a um partido que tinha 10 cadeiras. A crise prosseguiu até 2019, quando ela recebeu um voto de desconfiança de seu próprio partido e renunciou.

O excêntrico, o mandato relâmpago e a crise sem fim

May foi sucedida pelo excêntrico ex-prefeito de Londres Boris Johnson, que convocou as últimas eleições, em dezembro de 2019. O partido conseguiu ter um fôlego ao conseguir 365 representantes. O tão desejado Brexit ocorreu em 31 de dezembro de 2020, mas teve gosto amargo. A economia, abalada após o fim do comércio sem fronteiras com a União Europeia, entrou em recessão.

O primeiro-ministro enfrentou vários momentos de fritura, em especial por causa das festinhas e reuniões durante a pandemia, ainda em 2020. No entanto foi um caso de escândalo sexual envolvendo um parlamentar do partido conservador, que precipitou o fim do governo Johnson, em sete de julho de 2022.

Ele, no entanto, permaneceu como representante até 6 de setembro daquele ano, quando Liz Truss acabou eleita líder do partido e, consequentemente, primeira-ministra do Reino Unido. A segunda mulher na história a chegar ao cargo teve o menor tempo de mandato. Menos de vinte dias depois de empossada, Truss apresentou um plano para mexer no orçamento governamental. A proposta teve profunda rejeição e levou à pior desvalorização libra, moeda da Grã-Bretanha, em 37 anos. A tentativa de reverter as propostas aprofundou a crise. Após pouco mais de 40 dias na liderança, ela renunciou.

Rishi Sunak, adversário na eleição do partido feita 45 dias antes, ficou incumbido de formar o governo em nome de Charles 3º. Mas o que parecia o fim da tempestade política no Reino Unido se provou apenas uma trégua. Os problemas continuaram a se avolumar. A população não vivia o período de “estabilidade e prosperidade” prometidos.

No cenário interno, a Grã-Bretanha viu a explosão do custo de vida no pós-pandemia. Apenas na Inglaterra, mais de 1,2 milhão de pessoas estão em listas de espera para habitação social. O número de pessoas que depende de bancos de alimentos cresceu 94% nos últimos cinco anos, conforme a Euronews.

Avalanche Trabalhista, apontam pesquisas

Sem viverem a prosperidade prometida pelos Conservadores e vendo a crise permanente, muitos eleitores mudaram sua percepção sobre a política. As pesquisas vêm apontando para uma “avalanche” dos Trabalhistas, com maioria superior a 100 cadeiras (426 no total). Algumas pesquisas colocam que a maioria seja próxima de 120 cadeiras (chance de obter 440 a 450 entre as 650).

A consequência é que os Conservadores pode amargar o pior resultado eleitoral dos seus 200 anos de história. Sunak pode, ainda, ser o primeiro premiê em exercício da história a perder o seu lugar no Parlamento. O partido, inclusive, criou uma campanha para as pessoas votarem e impedirem uma “supermaioria” dos Trabalhistas.

Grupos focais – uma reunião de oito a dez eleitores para questionar sua pretensão de voto – apontam que aqueles que apoiaram os conservadores em 2019 vão trocar de lado. A grande maioria vai fazer o “voto da vingança” e apoiar os Trabalhistas, ou os LibDems, ou outros partidos menores. Um expoente desse sentimento de irritação é o Reform UK, um partido populista de direita, que tem como principal plataforma endurecer as regras para imigrantes e cortes de taxas e impostos.

Quem será o primeiro-ministro?

O novo primeiro ministro, se as pesquisas se confirmarem, será Keir Starmer, atual líder da oposição. Filho de um ferramenteiro de fábrica e uma era enfermeira do NHS, o sistema de saúde público do Reino Unido, nasceu em Oxted, Inglaterra, em 2 de setembro de 1962.

Foi o primeiro membro da família a ter ensino superior, ao ingressar aos 18 anos na Universidade de Leeds. Cursou Direito e se formou em 1987. Trabalhou durante a criação do Conselho de Polícia da Irlanda do Norte, que deu fim a conflitos de pró-independência. Ficou cinco anos como consultor jurídico.

Em 2008, se tornou chefe do Ministério Público do Reino Unido. Comandou o Crown Prosecution Service, responsável por atuar em casos criminais que foram investigados pela polícia e outras agências no país. Deixou o cargo em 2013. Ingressou na política em 2015. Em 2020 acabou eleito para o cargo de líder trabalhista após a renúncia de Jeremy Corbyn.

Ontem, Starmer afirmou que o Reino Unido não retornará à UE, ao mercado único ou à união aduaneira “enquanto ele viver”. Disse, no entanto, que o Partido Trabalhista poderia alcançar melhores acordos comerciais com a União Europeia em certas indústrias.

As urnas foram abertas as 7h da manhã (3h da madrugada no Brasil) e permanecem abertas até as 22h no horário local (18h em Brasília).