Um estudo desenvolvido por pesquisadores do IO (Instituto de Oceanografia) da Furg (Universidade Federal do Rio Grande) registrou pela primeira vez a ocorrência de gelo marinho no extremo sul da América do Sul, nos fiordes da Cordilheira Darwin, na Terra do Fogo, Chile.
Nunca antes havia sido identificada uma ocorrência tão ao norte da Antártica. Até então, a literatura científica identificava a ocorrência de gelo marinho no sul do planeta em latitudes abaixo de 55º S, no entorno da Antártica.
A Cordilheira de Darwin está situada ao norte, na latitude 54º S. A descoberta foi publicada na revista científica Annals of Glaciology, editada pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Gelo marinho é o gelo que se forma pelo congelamento da superfície do mar em baixas temperaturas e que derrete facilmente no calor, diferente do gelo glacial, aquele que é formado pelo acúmulo de neve nos ambientes polares, subpolares e em elevadas altitudes e que persiste durante o verão e até por milhares de anos.
O estudo partiu da observação de uma placa de gelo por um passageiro em viagem aérea, em 2015. Curioso com o que avistava, fotografou e enviou ao Cequa (Centro de Estudios del Cuaternario, Fuego-Patagonia y Antártica), parceiro de pesquisas da Furg.
No local remoto e de difícil acesso, helicópteros da Armada Chilena, a Marinha do Chile, sobrevoaram a área com dois pesquisadores do Cequa e, com as fotografias aéreas obtidas, se confirmou que a formação se tratava de gelo marinho e não de gelo glacial à deriva.
Aos dados de observação, somou-se a pesquisa por imagens de satélite. O trabalho foi desenvolvido pelo oceanólogo Charles Salame para sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Oceanologia da FURG.
Charles fez um recorte temporal de 2000 a 2017, cruzando os dados de satélites com informações da estação meteorológica mais próxima à cordilheira.
A partir dos parâmetros de 2015, em que houve a observação no local, descobriu-se, nas imagens de satélite, que o gelo marinho tem ocorrido no inverno em 12 dos 13 fiordes que compõem a Cordilheira de Darwin.
Na pesquisa, os anos em que houve a maior ocorrência foram 2000, 2003, 2007 e 2013.
Aquecimento Global
A explicação para esse registro até então inédito, tem a ver com o aquecimento global.
“As geleiras, bastante presentes na Terra do Fogo, estão derretendo mais rápido. Isso leva a um ‘adoçamento’ da água salgada do oceano. Devido a menor densidade, a água doce do gelo derretido flutua sobre a água mais salgada e por isso, há a formação de gelo marinho em temperatura mais alta do que seria necessário em condições de salinidade normais”, explica o professor Arigony-Neto.
A pesquisa mostra que o gelo marinho nos fiordes da Terra do Fogo tem se formado em temperaturas de cerca de -1,18ºC, quando sua ocorrência em condições de salinidade normais é abaixo de -1,8ºC.
Porém, se nos próximos anos a temperatura do inverno chileno for maior que zero, não haverá mais condições para a formação do gelo marinho, o que também é um cenário possível com o aquecimento global. Agora, a perspectiva é seguir monitorando o que ocorre na Cordilheira de Darwin.
“Entender melhor o quanto o derretimento das geleiras está contribuindo para a formação do gelo marinho deve ajudar a prever o que vai acontecer na Antártica”, projeta o professor. Como a estrutura dos fiordes é rochosa, é possível implantar câmeras e sensores para monitoramento, o que é inviável no continente gelado.
Airgony-Neto explica que os ciclos anuais de formação e derretimento do gelo marinho ao redor da Antártica têm um importante papel na circulação oceânica global, que afetam as condições atmosféricas e o clima no sul do Brasil.
“O gelo marinho antártico nos afeta, afeta o clima, os processos de formação da água de fundo e a circulação global, a qual é o grande ‘ar condicionado’ do planeta”, destaca.